Pela lei, o material elaborado pelos peritos da Aeronáutica só pode ser repassado para as ações que discutem responsabilidade penal e por danos se houver autorização da Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta quarta-feira (14) para validar a mudança no Código Brasileiro de Aeronáutica que restringe o uso, em processos judiciais, de conclusões técnicas sobre as causas de acidentes aéreos. Pela lei, o material elaborado pelos peritos da Aeronáutica só pode ser repassado para as ações que discutem responsabilidade penal e por danos se houver autorização da Justiça.
A mudança considerada constitucional também restringe o acesso aos destroços das aeronaves acidentadas. Pela regra, o material só pode ser vasculhado ou removido por peritos da polícia, por exemplo, com a autorização do comandante da investigação, que também terá a guarda dos bens.
Prevaleceu o voto do relator, ministro Nunes Marques, que entendeu que as investigações são diferentes e, por isso, se trata de uma situação específica (veja mais abaixo como foi a sessão).
Formaram a maioria os seguintes ministros:
Nunes Marques
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
André Mendonça
Edson Fachin
Luiz Fux
Dias Toffoli
Gilmar Mendes
Luis Roberto Barroso
O tema foi incluído na previsão de julgamentos da Corte desta quarta-feira (14) após o acidente com o avião da Voepass em Vinhedo (SP).
O que diz a ação
A ação, apresentada em 2017 pela Procuradoria-Geral da República, trata do material obtido pelas apurações feitas por militares no âmbito do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. O Sistema está sob a responsabilidade do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.
Quando há um acidente com aeronaves, como o que ocorreu em Vinhedo (SP), equipes do Cenipa vão ao local onde estão os destroços para verificar as causas. No caso do acidente da Voepass, os trabalhos de coleta de material e de investigação começaram horas depois da queda.
Uma lei de 2014 alterou o Código Brasileiro de Aeronáutica, passando a prever que as conclusões dos técnicos, em regra, não seriam usadas como provas em processos judiciais. A legislação estabeleceu que o uso como do material como prova depende de decisão da Justiça.
Além disso, restringiu o acesso aos destroços das aeronaves acidentadas. Pela regra, o material só pode ser vasculhado ou removido por peritos da polícia, por exemplo, com a autorização do comandante da investigação, que também terá a guarda dos bens.
A PGR pontuou que as restrições de acesso ferem princípios constitucionais, como o do devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Além disso, sustentou que a lei, ao exigir autorização judicial para acessar os dados, interfere no poder de investigação do Ministério Público.
O caso começou a ser julgado em 2021, em ambiente virtual. Naquele momento, o relator, ministro Nunes Marques, concluiu que as regras estão de acordo com a Constituição.
“A precedência investigativa do SIPAER não representa óbice à atividade das autoridades policiais e judiciárias, inexistindo vedação aos poderes investigativos de natureza cível ou criminal atribuídos ao Ministério Público ou aos órgãos de polícia judiciária”, afirmou.
“Quando for o caso de investigações paralelas, o que deve ocorrer, entre as autoridades do SIPAER, da Polícia e do Ministério Público, é um processo de cooperação e sinergia, de sorte que o trabalho dessas instituições proporcionem a eventual punição de culpados, mas sobretudo melhorem as condições para a preservação da vida humana em casos futuros”, completou.
Um pedido de vista (mais tempo de análise) do ministro Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento. Nesta quarta-feira, o caso foi retomado em ambiente presencial.
Sessão
A análise foi retomada com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que tinha pedido vista no plenário virtual.
Moraes votou com o relator, no sentido de que as regras são constitucionais. “Não me parece que seja o caso de declaração de inconstitucionalidade”, afirmou. O ministro explicou as diferenças entre a apuração técnica e das apurações policiais que, posteriormente, podem virar processos judiciais.
Enquanto a atuação dos militares é no sentido de saber o que aconteceu para evitar acidentes futuros, a atuação policial e judiciária é pra atribuir responsabilidades pelo acidente a pessoas e instituições.
“Não se perquire culpa ou dolo [na investigação do Cenipa]. O que se perquire é o que ocorreu, porque ocorreu. O restante, a responsabilidade penal fica a cargo das autoridades policiais, do Poder Judiciário”, argumentou.
“Não me parece que haja inconstitucionalidade nessa separação, mas também preservação de provas cujas fontes seriam dificultadas se houvesse compartilhamento imediato”, completou.
Relator do caso, o ministro Nunes Marques reafirmou o entendimento de que as regras são válidas. Também apontou, no complemento de voto, as diferenças de atuação dos militares e dos policiais.
“Enquanto investigações da polícia voltam-se ao passado, a investigação do Cenipa tem seus olhos voltados para o futuro, a fim de evitar que novos acidentes aconteçam”, explicou.
“Estou convicto que é importante preservarmos a normatização tal qual feita, até mesmo para evitar que os acidentes, objeto de investigação do Cenipa, possam acontecer novamente”, pontuou.
Além de Nunes Marques e Moraes, formam a maioria também os ministros André Mendonça, Cristiano Zanin, Edson Fachin e Luiz Fux.
O ministro Flávio Dino divergiu parcialmente. Considerou que as regras precisam ser interpretadas no sentido de que não há precedência da atuação do Cenipa, e que as investigações devem ser paralelas. E também não há precedência dos militares no acesso aos destroços das aeronaves. “Acredito que o monopólio merece sempre um olhar crítico”, pontuou.
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