STF: criação de 'estado de emergência' para ampliação de benefícios sociais em ano eleitoral é inconstitucional


Ministros julgaram pedido do partido Novo para invalidar mudança feita na Constituição em 2022, às vésperas da disputa pela Presidência. Supremo decidiu que aplicação do entendimento terá efeitos futuros. Sessão do STF
Antonio Augusto/SCO/STF
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou a criação, por emenda constitucional de 2022, de um “estado de emergência” por conta do aumento do preço de combustíveis.
A medida em questão viabilizou a ampliação de benefícios sociais em meio à disputa presidencial daquele ano.
É o caso de um aumento feito nos valores do Auxílio Brasil, do Auxílio Gás e na entrega de um voucher para caminhoneiros enquanto o então presidente Jair Bolsonaro (PL) buscava a reeleição.
A ação julgada pelo Supremo foi apresentada pelo partido Novo e se volta contra a emenda aprovada em ano eleitoral. À época, a proposta foi chamada por críticos de “PEC Kamikaze”; e por defensores, de “PEC das Bondades”.
No entendimento do STF, o instrumento é inconstitucional e a decisão vai ter efeitos apenas futuros. Ou seja, quem recebeu os benefícios de boa-fé (de forma regular) naquele momento não vai precisar devolver os valores.
Este também será um entendimento da Corte que poderá ser aplicado caso iniciativas semelhantes surjam novamente.
Pagamentos dos benefícios da chamada ‘PEC Kamikaze’ começam a ser pagos nesta terça
No julgamento, prevaleceu a divergência aberta pelo decano Gilmar Mendes. O ministro considerou que, mesmo que as medidas aprovadas naquela época já tenham sido realizadas, o caso ainda deveria ser discutido pela Corte.
Acompanharam este posicionamento os ministros Flavio Dino, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e o presidente Luís Roberto Barroso.
Mendes apontou, no voto, a preocupação com uma eventual repetição de situações como esta. Ressaltou o fato de que os benefícios foram concedidos em meio ao processo eleitoral.
“Que possamos sinalizar que valeu uma vez, e não mais. Porque se não nós corremos o risco de aprimoramento desse modelo”, afirmou.
“É de extrema relevância um pronunciamento dessa Corte sobre essa matéria. Sob pena de, em situações que venham a surgir no futuro, que tenhamos sempre um bypass (desvio) da regra da anterioridade eleitoral e da violação da igualdade eleitoral”, completou.
Relator do caso, o ministro André Mendonça considerou que parte dos argumentos apresentados no processo perdeu o objeto, porque a ampliação de benefícios já foi implantada.
Também concluiu que não houve irregularidades na tramitação da proposta. Desta forma, votou pela rejeição da ação.
O ministro Nunes Marques votou para negar os pedidos, mantendo a validade da emenda. O ministro Cristiano Zanin não votou – está impedido por ter atuado como advogado no caso.
Benefícios ‘turbinados’
Os ministros discutiram a validade da emenda à Constituição que estabeleceu um “estado de emergência” por conta do aumento do preço de combustíveis.
A partir desta medida, o texto permitiu que alguns benefícios sociais fossem ampliados, durante a disputa pela presidência entre Jair Bolsonaro e Lula.
Entre as medidas, o texto concedeu poucos meses antes das eleições:
aumento do Auxílio Brasil (atual Bolsa Família) de R$ 400 para R$ 600;
ampliação do Auxílio-Gás para o valor de um botijão; e
a criação de um “voucher” de R$ 1 mil para caminhoneiros.
Também estabeleceu um estado de emergência em 2022, em razão da “elevação extraordinária e imprevisível” de preços do petróleo e combustível.
Questionamentos
O autor da ação, o partido Novo, apresentou os seguintes argumentos ao Supremo:
Disse que houve irregularidades na tramitação da proposta no Congresso Nacional, já que os parlamentares não tiveram respeitado o direito de emendar o texto;
Além disso, ao criar o “estado de emergência”, uma nova modalidade de estado de exceção (além do estado de defesa e de sítio), também se criaria um precedente para que outros governos decretem no futuro situações excepcionais que viabilizam medidas restritivas de direitos;
que a medida teve objetivos eleitorais, já que a distribuição de renda beneficiou segmentos da população às vésperas da eleição. Com isso, houve interferência na liberdade de voto dos cidadãos e no equilíbrio da disputa.
e que a emenda tem impactos fiscais para a União e estados, e repercussões no pacto federativo.
“A PEC ora combatida não apenas recria o estado de emergência constitucional, como prevê seu prazo de duração sem qualquer definição minimamente concreta que restrinja limitações de incidência ou abrangência”, afirmou o partido.
O que, na visão da legenda, “por si só expõe de maneira inadmissível e inconstitucional os direitos e garantias individuais, em momento crítico que é o eleitoral”.

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