Se você é neutro em situações de violência, você escolheu o lado do agressor | …

Olga Lustosa

O mundo é um lugar caótico em Hobbes, Saramago, Galeano, entre tantos outros filósofos e escritores.

Vivemos num mundo que é um desastre autêntico, disse José Saramago em entrevista a Jô Soares. José Saramago, escritor português, morreu na Espanha no ano de 2010. Aos 78 anos de idade, ganhador de um prêmio Nobel, saudável, disse que simplesmente não se conformava com o mundo em que vivia, que o mundo que poderia ser, não inteiramente justo, porque sabia que Justiça absoluta não existia, mas queria que fosse um pouquinho mais humano, que a desumanidade não fosse tanto quanto era, que a exclusão social, não fosse tanto quanto era, que o abandono de continentes inteiros, guerras completamente absurdas tornavam o mundo uma angústia total.  Sem ilusão, foi isso que ele tentou passar aos seus leitores.

Eduardo Galeano, escritor uruguaio disse que o mundo nunca esteve tão louco, no sentido feio da palavra loucura, louco no sentido de um mundo que destina seus maiores recursos e suas maiores energias ao extermínio de si próprio, do planeta, da casa onde vivemos. Galeano alerta que precisamos recuperar a visão horizontal, solidária, respeitar os demais e saber que por sorte, somos todos diferentes nesse mundo e não temos o direito de impor aos demais nossa própria verdade como se fosse a única verdade possível.

Nem tudo é sobre nós e os nossos. Temos que ter a mesma disposição para cobrar quando a violência é praticada contra outros também. Não pode existir em nossa consciência zonas silenciosas, onde certos delitos repousam invisíveis

Thomas Hobbes, filósofo inglês, compartilhou uma visão extremamente pessimista da natureza humana, descreve o mundo em estado de natureza como um ambiente caótico, onde a competição, o conflito e a busca pelo interesse próprio dominam os homens. Em sua obra mais importante, “Leviatã” (1651), Hobbes argumenta que, na ausência de um poder capaz de intimidar todos os homens e de um contrato social para frear as ações egoístas, os seres humanos seriam naturalmente propensos ao conflito, a competição e violência. O homem em estado de natureza seria um lobo lutando contra outro lobo, fadado a uma vida solitária, embrutecida e curta. 

O ativista político e pelos direitos humanos, formado em sociologia, o americano Martin Luther King lutou contra a segregação racial nos Estados Unidos, promoveu marchas e bradou durante anos, diante de uma multidão de negros que sofriam injustiça racial que quem aceita o mal sem protestar coopera com ele e quase todos os seus discursos eram encerrados assim: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

Duas situações de violência me pesaram os ombros semana passada e as revelo aqui. Pessoas “muito boas” silenciaram quando o jogador Vini Jr. desabou em choro em uma entrevista coletiva, alertando que não aguenta mais os xingamentos racistas dirigidos a ele, sobretudo na Espanha. O choro de Vini Jr. repercutiu no mundo do futebol, com alguns afagos solidários e com a expressão de desprezo do ex-goleiro da seleção do Paraguai, Chilavert, que criticou o choro do atacante brasileiro dizendo que futebol é coisa de macho e que o Brasil é país mais racista que ele conhece.

Em Cuiabá, no centro da cidade, uma senhora de 80 anos foi morta, roubada e abusada por um homem que trabalhava ao lado de sua casa. Não há exatamente uma palavra que descreva tamanha indignação e repulsa ao fato. Se tentasse, eu descreveria horror e pavor exalando de seus olhinhos incrédulos. Nem tudo é sobre nós e os nossos. Temos que ter a mesma disposição para cobrar quando a violência é praticada contra outros também. Não pode existir em nossa consciência zonas silenciosas, onde certos delitos repousam invisíveis.

Não é possível nos mantermos constantemente em crise de medo, por isso, fazer menos do que podemos, não serve para o mundo.

Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com



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