PV acionou Supremo alegando que norma permite que ouro ilegal da Amazônia seja escoado com aparência de regularidade. Aras afirma que norma deixa meio ambiente desprotegido. Parque Estadual da Serra do Mar, em SP, maior reserva de Mata Atlântica do país, vira alvo de garimpo ilegal
A Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu nesta terça-feira (4) que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrube a chamada presunção de “boa-fé” no comércio de ouro.
A medida está prevista em lei de 2013 e permite que ouro seja comercializado no Brasil apenas com base nas informações dos vendedores. Na prática, segundo especialistas, o princípio facilita o garimpo ilegal no país.
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O processo no Supremo é resultado de uma ação do Partido Verde, que questiona um trecho da lei, que fixou critérios aplicáveis às Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMS) para a regularização da aquisição de ouro produzido em áreas de garimpo.
A norma permite que as distribuidoras comprem o metal com base na presunção da boa-fé, ou seja, utilizando exclusivamente informações prestadas pelos vendedores.
Para o PV, essa regra impulsiona o comércio ilegal de ouro na Amazônia, ao dispensar mecanismos mais rígidos de fiscalização da atividade.
“Não há imposição a essas instituições que verifiquem, por exemplo, se nos locais de extração do metal que adquirem há usurpação de áreas públicas e protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação, violação de direitos humanos, contaminação de rios com mercúrio, crimes, outros ilícitos e irregularidades”, diz o partido.
Posição da PGR
Em manifestação ao STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que a ação não discute o garimpo legal, autorizado a partir da percepção e desejo de desenvolvimento sustentável.
Segundo o PGR, a “pretensão mira as atividades ilícitas nesse ambiente, mediante a invalidação de dispositivo que enfraquece a atuação fiscalizatória”.
Para Aras, “a crise humanitária vivenciada pelos indígenas Yanomami amplamente divulgada nos últimos dias, consequência de conjunto de fatores em que, certamente, se insere a atividade garimpeira ilegal e outras ilicitudes praticadas em áreas ocupadas por indígenas”.
Para o procurador-geral, “o cenário atual é de proteção deficiente, agravado pela normativa impugnada, que autoriza e recomenda a atuação interventiva da Corte”.
O que diz a lei?
A norma questionada diz que “presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente” quando as informações prestadas pelo vendedor “estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro”.
As informações sobre as quais a proposta faz referência são:
nota fiscal emitida por cooperativa ou, no caso de pessoa física, recibo de venda e declaração de origem do ouro emitido pelo vendedor;
nota fiscal de aquisição emitida pela instituição autorizada pelo Banco Central do Brasil a realizar a compra do ouro.
A proposta aprovada diz ainda que “é de responsabilidade do vendedor a veracidade das informações por ele prestadas no ato da compra e venda do ouro”.
Na prática, a redação permite que o vendedor do ouro – muitas vezes, um posseiro ou garimpeiro ilegal – apresente recibo de venda acompanhado de declaração de origem para que se presuma a legalidade do metal adquirido e a boa-fé na operação.
Como a boa-fé e a legalidade são presumidas, não há uma rotina de fiscalização da legitimidade desses documentos, que podem ser notas frias ou adulteradas.
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