Debates servirão como base para o Supremo analisar os próximos processos criminais relacionados aos atos antidemocráticos. Três réus foram condenados nesta semana. O julgamento dos primeiros réus pelos atos golpistas do 8 de janeiro levou os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a discutir questões jurídicas que ultrapassam os três processos já analisados.
Os temas devem balizar, nos próximos meses, o tratamento das demais ações penais sobre o grupo que invadiu e vandalizou as sedes dos Três Poderes em Brasília.
Os ministros trataram de temas como:
a competência do Supremo Tribunal Federal para analisar os casos;
se é possível enquadrar as condutas dos acusados em dois crimes contra a democracia ao mesmo tempo: golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
a aplicação dos entendimentos sobre os crimes multitudinários.
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O g1 reuniu as informações sobre cada ponto discutido pelo Supremo. Leia abaixo:
Competência do STF
Um dos principais argumentos das defesas dos primeiros condenados era o de que o Supremo não seria a instância adequada para analisar os atos de 8 de janeiro.
No entendimento deles, só cabe à Corte julgar autoridades com foro privilegiado – senadores e deputados, por exemplo.
Ao longo dos votos, no entanto, a maioria dos ministros seguiu o entendimento do relator, ministro Alexandre de Moraes, para rejeitar essa avaliação.
Moraes argumentou que a Corte já tinha fixado sua competência para os casos quando analisou as denúncias.
Além disso, o ministro entendeu haver conexão entre os casos julgados e outros que ainda estão sob investigação, sob supervisão da Corte.
Moraes pontuou que há procedimentos em que deputados e senadores são investigados por envolvimento com os atos golpistas. A conexão, portanto, permite trazer os casos ao Supremo.
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Crimes contra a democracia
Outro ponto de debate no plenário foi a forma de aplicar os crimes contra a democracia no enquadramento das condutas dos réus.
A Procuradoria-Geral da República tinha denunciado os três réus por cinco crimes – entre eles, o de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Estes dois delitos foram estabelecidos em uma lei aprovada em 2021 para proteger a democracia.
A chamada Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito revogou a Lei de Segurança Nacional, da época da ditadura militar.
Na discussão sobre a questão, os ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça ressaltaram que a lei é relativamente nova e a Corte precisava estabelecer as primeiras orientações sobre a norma.
A divergência entre os ministros se concentrou na forma de aplicação dos dois crimes.
A maioria considerou que as condutas dos réus poderiam ser enquadradas nas duas infrações, ao mesmo tempo. E que, dessa maneira, não se puniria um mesmo fato duas vezes.
Mas os ministros André Mendonça e Luís Roberto Barroso consideraram possível a aplicação do princípio da absorção.
Por este mecanismo, um crime é “absorvido” por outro, porque um delito já tem seus elementos caracterizadores contidos no outro. Sendo assim, não caberia usar os dois ao mesmo tempo para analisar o caso, mas apenas um – ou o golpe de Estado, ou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Crimes multitudinários
Os ministros trataram ainda dos chamados crimes multitudinários, conhecidos como “crimes de multidão”.
Nestes delitos, um grupo comete uma série incontável de crimes em uma mesma situação. Nestas circunstâncias, um criminoso influencia o outro, numa espécie de “efeito manada”.
Todos os que participam, no entanto, estão conscientes do que fazem e aderem às infrações de forma deliberada.
Neste caso, não é preciso delimitar exatamente quem fez o quê, já que as ações foram realizadas pelo grupo. Por isso, todos respondem pelas consequências dos atos.
A maioria dos ministros reconheceu que os crimes multitudinários ocorreram.
Além disso, ao longo dos votos, pontuaram que há provas suficientes de que os réus praticaram as ações violentas – há documentos, registros, além de fotos e vídeos e declarações dos próprios condenados nas redes sociais.
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