Ao STF, PF diz que venda ilegal de joias foi para o patrimônio de Bolsonaro e que ele tinha conhecimento de leilão


Polícia também disse que Bolsonaro recebeu dinheiro em espécie dos auxiliares. Relatório fala que o objetivo era o ‘enriquecimento ilícito’ do ex-presidente. PF diz ao STF que venda ilegal de joias sauditas bancou despesas em dólar de Bolsonaro nos EUA
A Polícia Federal, em inquérito enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o dinheiro das joias sauditas, vendidas ilegalmente por auxiliares de Jair Bolsonaro, entrou para o patrimônio do ex-presidente e que ele tinha conhecimento de leilão para vender os itens.
A conclusão da PF está no inquérito sobre as joias sauditas, dadas de presente pelo governo da Arábia Saudita ao governo brasileiro durante a gestão Bolsonaro. Os conjuntos de joias milionárias deveriam ter ido para o patrimônio do Estado, mas não foi isso que aconteceu, segundo a PF, tendo ido parar no patrimônio pessoal do ex-presidente.
Nesse inquérito, Bolsonaro foi indiciado por 3 crimes: peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Cabe agora à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir se há elementos suficientes para oferecer denúncia ao STF.
De acordo com o material da PF:
Bolsonaro recebeu dinheiro das joias
O dinheiro pode ter sido usado, entre outras coisas, para gastos nos EU
Bolsonaro determinou que seus auxiliares negociassem as joias
Bolsonaro sabia que haveria um leilão das joias
Veja mais abaixo o que dizem as defesas.
Patrimônio pessoal
No relatório ao STF, a PF escreve:
“Identificou-se, ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”, afirmou a PF.
Custeios de despesas nos EUA
Em seguida, a polícia diz como esse dinheiro pode ter sido usado por Bolsonaro e família nos Estados Unidos. Bolsonaro viajou para os Estados Unidos no fim de dezembro, antes de passar a faixa presidencial para o presidente Lula. Ficou lá por três meses, até março de 2023.
“Tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano”, completou a PF.
“A utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o ‘dinheiro sujo’ à economia formal, com aparência lícita”, completou a PF.
Ordens partiram de Bolsonaro
Ainda segundo a PF, as ordens para a venda das joias partiram diretamente de Bolsonaro para seus auxiliares. É o que a polícia conclui a partir de depoimento de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, ex-auxiliar do presidente.
“As declarações prestadas por Osmar Crivelatti, Mauro Cesar Lourena Cid e pelo colaborador Mauro Cesar Barbosa Cid corroboram os demais elementos de prova colhidos demonstrando, de forma inequívoca, que as esculturas douradas de um barco e uma palmeira, presentes entregues por autoridades estrangeiras, ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro, foram intencionalmente, subtraídas do acervo público brasileiro, por determinação do ex-presidente, para serem vendidas ilegalmente nos Estados Unidos”, escreve a polícia.
Mais informações sobre ordens do ex-presidente
O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Osmar Crivelatti, afirmou que ele e Mauro Cid deram ordens para retirada de kits de joias do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) do Planalto.
Além disso, ele afirmou que um dos relógios recebidos de presente, de marca Patek Philippe, sequer chegou a ser registrado no sistema de bens do acervo privado do ex-presidente.
Crivelatti ainda falou que o kit de ouro rosê, que foi a leilão na casa de leilões Fortuna Auctions, em Nova Iorque, nos Estadso Unidos, foi entregue para o ex-presidente na casa onde estava vivendo, do ex-lutador José Aldo, em Kissimee, na Flórida.
Em seguida, a Polícia Federal percebeu que Crivelatti havia mentido no depoimento anterior, a respeito da origem do kit de joias em ouro rosê e ele se justificou dizendo que manteve a mesma versão que seu colega, Marcelo Costa Câmara.
“Tinha ciência de que o Coronel Marcelo Costa Camara, em declarações anterior à Polícia Federal. tinha afirmado falsamente que o kit em ouro rosê estaria na fazenda Piquet; que, diante disso, quando foi convocado a prestar esclarecimentos na Polícia Federal, o declarante procurou manter a mesma versão, mesmo ciente da falsidade das afirmações”, afirmou Crivelatti.
Posteriormente, Crivelatti ainda confirmou à Polícia Federal que o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu esculturas douradas de um barco e uma palmeira e que, assim como o relógio, esses itens também não foram registrados no acervo privado.
Crivelatti contou que a escultura foi para os Estados Unidos em 30 de dezembro e retornou ao Brasil no ano seguinte, nas mãos do general Lourena Cid, que a entregou em frente a um restaurante no Setor Militar Urbano, em Brasília. Posteriormente as esculturas foram levadas para o gabinete de Bolsonaro na sede do PL para mostrar ao colega Marcelo Câmara. Na sequência, eles deixaram os itens na fazenda do ex-piloto de fórmula 1, Nelson Piquet.
Aval de Bolsonaro
Segundo a PF, Bolsonaro deu aval para o leilão das joias. A polícia se baseia em uma troca de mensagens entre ele e Mauro Cid.
Cid manda o link do leilão, e Bolsonaro responde com o jargão militar “Selva”.
“No dia 04 de fevereiro de 2023, Mauro Cid envia o link do leilão do kit Rosé da loja Fortuna Auctions, que iria ocorrer no dia 08 de fevereiro, para o contato “Pr Bolsonaro 2023”, telefone utilizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Este [Jair Bolsonaro] responde com o jargão ‘Selva’, escreve a PF.
Para a polícia, isso ratifica “sua ciência e anuência na tentativa de alienação ilegal das joias”.
Enriquecimento ilícito
A PF apurou ainda que, ao todo, as joias dadas ao governo Bolsonaro somam R$ 6,8 milhões, em valores de hoje. Não significa que todo esse dinheiro tenha ido para o ex-presidente.
Em determinado ponto do relatório, a PF falava no valor de R$ 25 milhões que seriam negociados. Depois, a PF retificou e confirmou que o valor era mesmo de R$ 6 milhões.
O relatório da polícia afirma que o objetivo da venda era o enriquecimento ilícito do ex-presidente.
“No sentido de valorar os bens que foram objeto dos atos de desvio (e tentativa de desvio) perpetrados pela associação criminosa com a finalidade de enriquecimento ilícito do ex-presidente Jair Bolsonaro, as joias foram submetidas à procedimento pericial, com o objetivo, dentre outros, de aferir o valor mercadológico dos bens”, explicou a polícia.
Bolsonaro não movimentou suas contas enquanto esteve nos EUA
As investigações da polícia apontaram que, enquanto esteve nos Estados Unidos, Bolsonaro não movimentou suas contas correntes, o que é indício de que seus gastos saíram de outras fontes.
“Desta forma, a análise contextualizada das movimentações financeiras de Jair Messias Bolsonaro no Brasil e nos Estados Unidos, demonstra que o ex-presidente, possivelmente, não utilizou recursos financeiros depositados em suas contas bancárias no Banco do Brasil e no BB América para custear seus gastos durante sua estadia nos Estados Unidos, entre os dias 30 de dezembro de 2022 e 30 de março de 2023”, diz o relatório.
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US$ 25 mil em espécie para Bolsonaro
A PF também relata que o general Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, repassou US$ 25 mil ao ex-presidente. Valor oriundo das joias.
“Os elementos de prova colhidos, demonstraram que Mauro Cesar Lourena Cid recebeu, em nome e em benefício de Jair Messias Bolsonaro, pelo menos US$ 25 mil, que teriam sido repassados em espécie para o ex-presidente, visando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal”, afirma a PF.
Foto no inquérito da PF mostra Bolsonaro e Mauro Lourena Cid e Mauro Cid em estabelecimento em Nova York, em setembro de 2022. Nesse dia, segundo a PF, há indícios de que Mauro Lourena repassou dinheiro a Bolsonaro
Divulgação
‘Operação para resgatar os bens’
No relatório, a Polícia Federal afirma que, após a divulgação pela imprensa de reportagens sobre os kits de joias, os investigados “estruturaram uma verdadeira operação para resgatar os bens dados de presente a Bolsonaro.
Essas joias, segundo as investigações, estavam em estabelecimentos comerciais nos Estados Unidos, onde chegaram por meio dos auxiliares de Bolsonaro. A operação foi montada para trazer os itens de volta ao Brasil para devolvê-los ao patrimônio da União, de modo a cumprir a decisão do Tribunal de Contas da União sobre as joias do acervo.
“Conforme já descrito, em termo de depoimento, Mauro Cid confirmou que vendeu e posteriormente recomprou as joias do “kit ouro branco”, em uma loja no centro comercial Seybold Jewelry Building, pelo montante de US$ 35 mil”, escreveu a PF.
De acordo as investigações, o conjunto de joias masculinas da marca Chopard estava na loja Fortuna Auctions, situada no estado de Nova York, de onde foi resgatado e encaminhado por uma empresa de transporte de mercadorias para um endereço em Orlando, na Flórida, onde Bolsonaro estava hospedado. Na sequência, esse kit foi transportado ao Brasil e entregue no dia 24 de março de 2023 em uma agência da Caixa Econômica Federal.
O segundo conjunto, composto anel, abotoaduras e um rosário islâmico, foi recuperado de uma loja em Miami, na Flórida. No dia 27 de março de 2023, Cid pegou o kit em Fort Lauderdale, na Flórida, pegou o conjunto e retornou ao Brasil. Em Brasília, o ex-ajudante de ordens entregou o conjunto a Osmar Crivelatti, outro assessor de Bolsonaro.
Desse conjunto de joias, fazia parte um relógio da marca Rolex, de ouro branco, que teria sido recuperado de outra loja, a Precision Watches, localizada no estado da Pensilvânia. Segundo a PF, uma pessoa ainda não identificada recuperou o Rolex, que foi devolvido no dia 4 de abril de 2023 em uma agência da Caixa Econômica Federal.
Conforme o relatório, um terceiro conjunto de joias, que teria sido negociado pelos investigados, ainda não foram localizados. “As investigações prosseguem”, afirma a PF no relatório.
O advogado de Bolsonaro, Fábio Wajngarten, foi a Orlando, nos Estados Unidos, no dia 18 de março do ano passado e voltou no dia seguinte.
Segundo a PF, ele ficou responsável pela operação clandestina de trazer de volta o kit de ouro rosé, que o grupo não conseguiu vender no leilão.
Sobre o relatório da PF, Wajngarten disse que “é uma obra de ficção, de quinta categoria, para não chamar de mentiroso, ou perseguição politica rasteira”.
Mensagens de celular
O inquérito da PF também tem mensagens de aplicativo trocadas entre os integrantes do grupo.
Em uma delas, Mauro Cid pergunta a Bolsonaro qual é o nome do cunhado do ex-presidente. Cid queria isso para incluir o nome na relação e adiantar o visto (provavelmente o visto para os Estados Unidos).
Bolsonaro dá o nome do cunhado. Em seguida, Cid pergunta se Bolsonaro vai levar a árvore e o barco, em referência a esculturas que os sauditas deram ao Estado brasileiro. As respostas de Bolsonaro foram apagadas pelo ex-presidente.
As mensagens foram trocadas no dia 29 de dezembro de 2022, às vésperas da saída de Bolsonaro do país.
No fim do diálogo, há uma frase de Cid: “Sim, senhor”. Veja o print abaixo:
Troca de mensagens entre Bolsonaro e Mauro Cid, em 29 de dezembro de 2022
Divulgação
Valores das joias
A tabela abaixo, presente no inquérito, mostra os valores de cada joia dos conjuntos sauditas:
Tabela mostra joias recebidas por Bolsonaro e seus respectivos valores
Reprodução/Relatório da PF
Ligação com outros inquéritos no qual o ex-presidente é investigado
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A PF disse ainda que o desvio de joias durante o governo de Jair Bolsonaro está relacionado à produção de fake news e ao uso indevido de recursos do Estado. Essas duas irregularidades são investigadas em outros inquéritos.
“Concluindo pela existência de fortes indícios de desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação da origem, localização e propriedade dos valores provenientes, com identidade de agentes já investigados por outros fatos nesta Suprem Corte, o que evidencia a conexão probatória com diversos inquéritos que tramitam no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que investigam condutas atentatórias à própria Corte, tal como o lnq. 4.781/DF, das Fake News e, especialmente, a prática de diversas infrações criminais por milícias digitais atentatórias ao Estado Democrático de Direito, investigada no Inq 4.874/DF”, escrecveu a PF.
O que dizem as defesas
Veja o que dizem as defesas:
Defesa de Jair Bolsonaro
A defesa de Jair Bolsonaro afirmou que os presentes ofertados à presidência obedecem a um protocolo rígido de tratamento e catalogação sobre o qual o chefe do executivo não tem qualquer ingerência. Afirmaram ainda que o ex-presidente sempre compareceu de forma espontânea para esclarecer os fatos, determinou que os bens fossem depositados no Tribunal de Contas da União, e que a iniciativa teve o objetivo de mostrar que, em momento algum, ele pretendeu enriquecer ou ficar com bens tidos como públicos.
PL
O PL, partido de Bolsonaro, declarou que não tem conhecimento sobre qualquer kit de joias que tenha sido supostamente levado à sede do partido.
Defesa de Mauro Cid e Mauro Lourena Cid:
As defesas de Mauro Cid e do pai dele, Mauro Lourena Cid, afirmaram que não têm nada a declarar.
Osmar Crivelatti
A reportagem não conseguiu contato com Osmar Crivelatti.

Fonte