Al-Golani lidera seus combatentes em uma longa ofensiva contra o governo de Bashar al-Assad, reacendendo a longa guerra civil do país. Em seu primeiro pronunciamento público, ele foi ovacionado por multidão, que gritava: ‘Deus é grande!’. Líder rebelde Abu al-Golani diz que queda de Assad é ‘vitória para a nação islâmica’
Abu Mohammed al-Golani, líder do grupo rebelde que afirma ter derrubado o ditador Bashar al-Assad na Síria, fez sua primeira aparição pública neste domingo (8). Em uma mesquita na capital, Damasco, ele declarou que a fuga de Assad foi uma “vitória para a nação islâmica”.
“Esta vitória, meus irmãos, com a ajuda de Deus, (foi feita) pelo sangue dos mártires, das viúvas, dos órfãos e do sofrimento das pessoas que estavam nas prisões”, afirmou.
Ele acrescentou também que a Síria tinha sido um “playground para ambições iranianas, espalhando sectarismo e incitando corrupção”, mas que agora “está sendo purificada pela graça de Deus Todo-Poderoso e pelos esforços dos heroicos Mujahideen [grupo de muçulmanos que luta em nome da fé]”.
Vídeos gravados durante o discurso mostram que Al-Golani foi ovacionado por uma multidão, que gritava “Deus é grande!”.
Mais cedo, em um pronunciamento lido pela TV estatal, o líder disse: “o futuro é nosso”.
“Não há chance de voltar atrás, estamos determinados a continuar o caminho que começamos em 2011”, diz o texto, em referência ao início da revolta contra Assad.
No sábado, em outro comunicado, al-Golani declarou que seu objetivo é “libertar a Síria de um regime opressivo”.
Quem é Abu Mohammed al-Golani?
Abu Mohammed al-Golani, líder das forças rebeldes que tentam derrubar ditador Bashar al-Assad na Síria
Media Branch of Syrian Rebel Operations Room/via Reuters
O comandante do HTS tem 42 anos e é também conhecido como Abu Mohammed al-Jawani. Ele nasceu em Riade, na Arábia Saudita, mas sua família é originalmente de Golã, uma região do sudoeste da Síria, anexada unilateralmente por Israel na década de 1970.
Nos últimos anos, al-Golani trabalhou para reformular sua imagem pública, afastando-se de seu parceiro de longa data, o grupo terrorista al-Qaeda.
Agora, aos 42 anos, o líder dirigiu seus combatentes em uma ofensiva impressionante que colocou sob seu controle a maior cidade da Síria. Com isso, ele reavivou a longa guerra civil do país e provocou a fuga do ditador Bashar al-Assad, cujo paradeiro é desconhecido.
A ofensiva e o papel de al-Golani nesta liderança são evidências de uma transformação notável. O sucesso dele no campo de batalha é resultado de anos de manobras entre organizações extremistas, enquanto eliminava concorrentes e antigos aliados.
Ao longo do caminho, ele se distanciou da al-Qaeda, aprimorando sua imagem e a do grupo extremista que lidera, o “governo de salvação”, em uma tentativa de conquistar governos internacionais e as minorias religiosas e étnicas do país.
Com um discurso de pluralismo e de tolerância, os esforços de reformulação da marca de al-Golani buscaram ampliar o apoio público e a legitimidade de seu grupo.
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Aref Tammawi/AFP
Os primórdios de al-Golani no Iraque
Os laços de al-Golani com a al-Qaeda remontam a 2003, quando ele se juntou a extremistas que combatiam tropas americanas no Iraque.
Ele foi detido várias vezes pelo exército dos EUA, mas permaneceu no Iraque. Durante esse período, a al-Qaeda assumiu grupos de pensamento semelhante e formou o Estado Islâmico do Iraque, liderado por Abu Bakr al-Baghdadi.
Em 2011, uma revolta popular contra Assad da Síria desencadeou uma repressão brutal do governo, levando a uma guerra total. A proeminência de al-Golani cresceu quando al-Baghdadi o enviou à Síria para estabelecer um braço da al-Qaeda chamado Frente Nusra.
Os Estados Unidos classificaram o novo grupo como organização terrorista, designação que permanece até hoje, oferecendo uma recompensa de US$ 10 milhões por informações sobre ele.
A Frente Nusra e o conflito sírio
À medida que a guerra civil da Síria se intensificava em 2013, aumentavam também as ambições de al-Golani. Ele desafiou os pedidos de al-Baghdadi para dissolver a Frente Nusra e fundi-la com a operação da al-Qaeda no Iraque, formando o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS).
Mesmo assim, al-Golani declarou lealdade à al-Qaeda, que mais tarde se dissociou do ISIS. A Frente Nusra combateu o ISIS e eliminou grande parte de sua concorrência entre a oposição armada síria a Assad.
Em sua primeira entrevista, em 2014, al-Golani manteve o rosto coberto, dizendo a um repórter da Al-Jazeera que rejeitava negociações políticas em Genebra para acabar com o conflito. Ele disse que seu objetivo era ver a Síria governada sob a lei islâmica, deixando claro que não havia espaço para as minorias alauíta, xiita, drusa e cristã do país.
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Consolidando poder e ‘reformulando a marca’
Em 2016, al-Golani revelou seu rosto ao público pela primeira vez em um vídeo no qual anunciou que:
seu grupo passaria a se chamar Jabhat Fateh al-Sham;
cortaria seus laços com a al-Qaeda.
“Esta nova organização não tem afiliação com nenhuma entidade externa”, disse ele no vídeo, usando roupas militares e um turbante.
A medida abriu caminho para al-Golani assumir o controle total sobre grupos militantes fragmentados. Um ano depois, sua aliança foi renomeada novamente como HTS, reunindo grupos que estavam isolados e consolidando o poder de al-Golani na província de Idlib, no noroeste da Síria.
Posteriormente, o HTS entrou em confronto com militantes islâmicos independentes que se opunham à fusão, fortalecendo ainda mais al-Golani e mostrando que seu grupo seria capaz de governar com mão de ferro.
Com o poder consolidado, al-Golani iniciou uma transformação, substituindo suas roupas militares por camisas e calças comuns, e defendendo a tolerância religiosa e o pluralismo. Ele buscou se aproximar da comunidade drusa em Idlib, anteriormente alvo da Frente Nusra, e visitou as famílias dos curdos mortos por milícias apoiadas pela Turquia.
Em 2021, al-Golani deu sua primeira entrevista a um jornalista americano na PBS. Vestindo um blazer e com o cabelo curto penteado para trás, o agora mais moderado chefe do HTS afirmou que seu grupo não representava nenhuma ameaça ao Ocidente e que as sanções impostas contra ele eram injustas.
“Sim, nós criticamos as políticas ocidentais”, ele disse. “Mas travar uma guerra contra os Estados Unidos ou a Europa a partir da Síria não é verdade. Não dissemos que queríamos lutar.”
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