Quando foi anunciado em meados de 2023, fiquei maravilhado com Ultros por dois motivos. A começar por ser um metroidvania independente colorido, trazendo um contraste com seu companheiro de gênero, Hollow Knight. O outro foi um nome de Niklas Åkerblad envolvido no projeto. O artista e compositor sueco já é um nome conhecido por alguns fãs de games indies, já que ele foi o responsável pela arte da capa de Hotline Miami e Hotline Miami 2: Wrong Number. Agora, com seu próprio estúdio, Hadoque, ele puxou as mangas da camisa e decidiu criar um jogo ao seu estilo.
Mesmo não sendo o jogador mais experiente quando o assunto é metroidvanias, eu fiquei bem empolgado com o título e, felizmente, minha expectativa foi correspondida, ainda que tenha sido acompanhada de alguns defeitos. Eu te convido a conferir agora a nossa análise de Ultros.
Dia da marmota psicodélico?
Tudo começa em uma floresta policromática quase psicodélica aos olhos humanos. Nossa personagem silenciosa, Ouji, acorda e se encontra em um mundo que pouco conhece, com uma fauna e flora absolutamente diferente de tudo que já tenha visto, mas com diversos resquícios de vida inteligente. Buscando conhecimento, assim como disse ET Bilu, encontramos uma espada em um corpo morto, que com certeza será extremamente útil para desbravar todos os cantos deste planeta selvagem.
Ainda que o corpo do finado tenha encontrado seu fim, a alma continua plena, em um formato espectral. Notando nossa presença, ele se apresenta como Wallet e introduz algumas informações que esclarecem onde estamos e o que devemos fazer, sendo parte interessada do resultado de nossas próximas ações. Esta terra, que inicialmente pensamos ser um planeta, é, na verdade, um sarcófago de uma poderosa e perigosa criatura, Ultros. Para acabar com o que ele chama de ilusão, é necessário quebrar a cápsula do xamã que a sustenta e impede que qualquer um saia.
É aqui onde tudo começa.Fonte: Voxel/Reprodução
Com poucas informações e muito vigor, seguimos suas instruções, deixando outro ser bem insatisfeito. Qualia, a escolhida dos xamasal, o cálice de Beria. Enquanto nosso objetivo acaba se tornando destruir o demônio Ultros, o de Qualia é libertá-lo para o mundo, colocando nossos objetivos em conflito direto. A ação de tirar o xamã da cápsula foi concluída, mas faltaram outros seis para a nossa missão ser um sucesso. Com isso, a metamorfose finalmente ocorre, o monstro toma forma e… tudo começa novamente.
Nesse resumo do começo da trama, fiz questão de destacar alguns dos principais pontos que tornaram Ultros uma aventura bem divertida para mim, que são os visuais, a ambientação, a vida alienígena, a exploração e o sistema de loop, todos que descreverei melhor a seguir. Porém, vale dizer que, ainda que prazerosa, a experiência foi longe de impecável e não tenho dúvidas que meus incômodos serão os de diversas outras pessoas que jogarem.
Uma explosão de cores
Começo pelo que provavelmente mais chama atenção no jogo: a sua direção de arte. Como dito na introdução, Niklas Åkerblad, mais conhecido como El Huevo, é o diretor de arte e de criação do game. Quem já está familiarizado com as obras de cor saturada e formas psicodélicas, conseguiu perceber que Ultros é como uma pintura sua em movimento.
Camadas e mais camadas de formas e coresFonte: Voxel/Reprodução
Todo o cenário, background, criaturas, plantas e personagens tem os traços característicos do artista sueco. Cada área tem sua personalidade, sua cor, seu estilo e é fácil de identificar quando se sai de uma e entra em outra. É comum muitos jogadores confundirem o plano principal, onde a personagem anda, com o fundo quando a arte é carregada de muitos elementos, mas em nenhum momento me foi passada essa sensação. Os caminhos também são bem claros, só sendo difíceis de encontrar quando são propositalmente escondidos. A área do mapa demarca muito bem entradas e saídas de muitas delas, sem entregar o ouro para segredos comentados previamente.
É uma arte que vive, que respira, que chama a atenção. Não faz questão de agradar, aceita que é o que é. Toda essa explosão de tonalidades traz uma originalidade ímpar que, aliada aos desenhos feitos a mão pela equipe de artistas da Hadoque, faz com que Ultros já seja um dos jogos mais bonitos lançados esse ano, provavelmente levando esse mérito até o final de 2024.
Entretanto, além da beleza, a arte do jogo também tem um papel importantíssimo na criação desse ambiente tão estranho. Em janeiro, pude entrevistar Pelle Cahndlerby, criador de narrativas do título, e questionei sobre o quão difícil é criar um mundo alienígena original. A resposta dele foi bem simples, “a parte mais difícil é que um ambiente alienígena pode ser qualquer coisa”.
Fauna e flora se encontram e convim em harmoniaFonte: Voxel/Reprodução
Isso acaba sendo uma benção e maldição. Ao mesmo tempo que não tem como errar, há como exagerar em pontos específicos ou mesmo perder o controle e transformar tudo em um emaranhado de ideias sem conexão. Felizmente, a equipe tinha tudo sobre controle e criou um ecossistema inteiro de forma equilibrada, balanceada e que, mesmo com interferência externas, ainda manteve todo seu estilo.
A Refinaria de Geggamoja, como o nome sugere, é uma área criada por seres inteligentes que exploram e pesquisam o Sarcófago da forma que podem. Com isso, não há vida, só armadilhas para intrusos e um líquido laranja viscoso que preenche todos os cantos do lugar.
Já o Jardim da Gärdner possui uma boa biodiversidade, já que a personagem (que é a minha favorita de todo jogo) dedica sua vida a cultivar e nos ensinar mais sobre as plantas e até animais, se assim posso chamá-los.
Vivendo e aprendendo com GärdnerFonte: Voxel/Reproduções
Falando neles, inicialmente meu instinto assassino falou mais alto e comecei a jornada eliminando todos que eu encontrasse. Após muita matança, prestei atenção no comportamento dos que cruzavam meu caminho e, para minha surpresa, algumas espécies não eram agressivas, enquanto outras só precisam de um prato de comida para ficarem felizes e deixarem de ser uma ameaça. Após os primeiros loops, o jogo começa a te convidar a ter uma abordagem mais pacifista, ensinando a plantar sementes e que nem tudo o que se mexe precisa morrer. Além disso, isso leva a um dos três finais possíveis em Ultros, o qual eu não consegui pegar a tempo de incluir nesta análise.
Comece, recomece e recomece de novo
Sendo assim, o prazeroso ato de explorar todo o mapa, cheio de bifurcações e histórias, se torna ainda mais interessante ao perceber que você pode afetar positivamente sua flora e tirar proveito disso, mesmo que em loops futuros.
Se tratando de um metroidvania, Ultros traz duas das principais características do gênero: um mundo interconectado com exploração não-linear e seções que só podem ser acessadas após conseguir um poder ou permissão específica. A forma que o jogo corresponde a esse segundo critério é através do dispositivo Extrator, sendo normalmente usado para rituais de purificação, mas aqui a gente usa pra dar pulo duplo, cortar matagal, fuçar na terra, e até voar ocasionalmente.
Ao infinito e além?Fonte: Voxel/Reprodução
Sempre que um xamã é tirado de seu casulo, somos introduzidos a uma nova funcionalidade dessa ferramenta e, logo em seguida, o loop é reiniciado, sendo necessário ir até o centro do mapa para recuperar o Extrator e começar a explorar novas áreas. Admito que essa peregrinação não é nem um pouco divertida, mas com o passar do tempo, eu me acostumei com a ideia.
A maioria dos poderes são bem úteis, sendo fácil de saber pelo menos uma área que ele será útil. Quando peguei finalmente a podadeira, por exemplo, já lembrava de dois ou três lugares que eu conseguiria passar cortando a plantação com frutos espinhosos e seguir a minha jornada.
Já outros têm uma utilidade extremamente específica para quem busca vivenciar o jogo de forma pacífica e ambientalista. Sendo assim, eu acredito que elas serão inúteis para grande parte dos jogadores, como o leitor, que passa mais informações sobre formas de vida que habitam o planeta. Provavelmente eu o usei duas vezes e esqueci de sua existência.
Muito legal, mas quando eu vou usar isso?Fonte: VoxelReprodução
Junto a esses poderes, há um sistema de melhorias que podem ser feitas sempre que encontrar um córtex, que também serve para salvar o jogo. Inicialmente, só há três upgrades que podem ser comprados de acordo com suas barras de nutrição. Cada alimento que conseguimos, seja derrotando adversários ou pegando da natureza, aumentam a vida e preenchem de uma a quatro barras.
Essa foi uma das melhores surpresas que o jogo apresentou, principalmente por permitir comer os alimentos e aumentar a nutrição sem a necessidade de sair do córtex. Então, sempre que precisamos recuperar vida após encontros contra inimigos, já estamos pensando nas próximas melhorias que adquiriremos.
Poder comer alimentos e aumentar a barra sem sair do menu foi uma ótima sacadaFonte: Voxel/Reprodução
E o que acontece quando começamos um novo loop? Sim, perdemos tudo, mas há um porém. Explorando o mapa, nós encontramos Micélios Mnemônicos, que permite mantermos os upgrades desbloqueados para todos os ciclos seguintes. E se você por acaso mudar de ideia, é possível trocar qual habilidade será travada. Como os jovens dizem, é uma “win-win situation”.
Imperfeições que levam à monotonia
Tudo o que falei até aqui exemplifica porque Ultros foi uma experiência prazerosa, divertida e única, sendo um dos meus lançamentos favoritos desse ano até o momento. Contudo, assim como eu disse no começo desse texto, ele não é espetacular, muito menos perfeito, por haver certas falhas que prejudicaram o conjunto da obra, a começar com um critério que até o momento eu não comentei: o combate.
A enorme simplificação do sistema pode ser justificada pela abordagem pacifista que a Hadoque pensou para o título e gradualmente vai introduzindo mecânicas para isso. Entretanto, não é motivo para ter tornado o combate com a espada, a única arma disponível, tão maçante e repetitivo. Após comprar alguns upgrades no córtex, eu até tive como montar um ou outro combo interessante, mas há uma variação muito pequena de movimentos.
Aliado a isso, muitos dos inimigos morrem com pouquíssimos golpes e os outros, que tem maior durabilidade, dependem de um arranque para as costas e ataques de oportunidade. Toda a criatividade aplicada na arte foi esquecida aqui, o que é realmente triste.
A batalha contra o primeiro chefão também é pouquíssimo inspirada, contrastando com seus lindos visuais. A dos outros chefes é bem mais interessante, com eles tendo golpes e sequências mais desafiadoras e divertidas, mas isso infelizmente não torna a porradaria por nossa parte melhor.
Tão lindo, mas tão fácilFonte: Voxel/Reprodução
Mais pra frente do jogo, teve uma parte que me irritou profundamente pela sua chatice. Entramos em diversas salas e devemos realizar pequenos minigames para avançarmos. Tem um que parece basquete, outro que é preciso apertar certos botões enquanto se é atacado e, por fim, conectar linhas com os cubos e sendo atingido por eles.
Esse foi um dos dois momentos em que tive vontade de atirar meu controle na parede. Eram salas e mais salas fazendo essas mesmas atividades que só enchiam a minha paciência progressivamente. Se tivesse sido uma de cada, no máximo, teria sido uma boa mudança de ares, mas perderam a mão nesse aspecto.
O verdadeiro Candy Crush dos infernosFonte: Voxel/Reprodução
A outra coisa que me fez querer estraçalhar meu querido controle em uma superfície dura foi durante o terceiro loop. Eu disse anteriormente que a exploração de Ultros é ótima, sendo um dos pontos mais fortes do título. O problema, é que alguns objetivos não são nem um pouco claros e isso acarretou um Francesco completamente perdido por uma hora e meia.
O meu objetivo era de certa forma simples: seguir uma personagem até o final. Em determinado momento, apareceu uma bifurcação que me levou a explorar uma nova área e, assim, me perdi completamente. Fui pra um lado do mapa, depois pro outro, retornei, testei novos caminhos e nada de descobrir a solução. Felizmente, Ultros permite ao jogador recomeçar um ciclo específico através do menu inicial e foi exatamente isso o que fiz e comecei a inspecionar com mais calma.
Esta questão poderia ser explicada pela minha pouca experiência com jogos do gênero, mas esse foi o primeiro metroidvania que fiquei genuinamente perdido a ponto de ter que recomeçar e eliminar toda uma parte de jogatina que fiz.
Por fim, vale comentar dois aspectos técnicos que colocaram uma pulga atrás da orelha logo que abri o game pela primeira vez. O primeiro foi a disponibilidade de só 3 opções de resolução de tela, nenhuma acima de 1080p. Sei que hoje em dia, essa ainda é a resolução padrão do mercado, mas não tem justificativa para ter poucas opções assim. A outra foi a limitação de 60 quadros por segundo como taxa de atualização máxima, que pode ser explicada por toda a arte ter sido feita a mão, mas ainda foi um incômodo.
Menu com opções muito limitadas é realmente uma decepção para qualquer PC GamerFonte: Voxel/Reprodução
Vale a pena?
Mesmo com todos seus defeitos, imperfeições e períodos de raiva, tive ótimos momentos jogando Ultros. O visual me fez ficar maravilhado, a exploração me divertiu e toda a temática — envolvendo assuntos como vida, morte e meio ambiente — me fez questionar a minha própria vida. Estou bem esperançoso de que os jogos seguintes da Hadoque, comandada por El Huervo, serão ainda mais brilhantes do que esse, principalmente se ficarem atentos aos erros e buscarem evoluir corrigindo seus deslizes.
Nota do Voxel: 82
Pontos positivos (prós):
- Exploração divertida
- Visuais magníficos e coloridos
- Sistema de loops inteligente
- Várias opções para uma abordagem pacifista
- Ótimo sistema de upgrade
Pontos negativos (contras):
- Combate fraquíssimo
- Falta de clareza em alguns objetivos
- Parte com minigames na reta final do jogo
- Só três opções de resolução de tela
Utltros foi testado no PC com uma chave da Steam cedida pela Kepler Interactive. Além de chegar aos computadores, o jogo também contará com versões para PS4 e PS5 e será lançado dia 13 de fevereiro.