Rodinei Crescêncio/Rdnews
O governo federal apresentou ao congresso nacional o Projeto de Lei Complementar n. 108/2024 que institui o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços. De forma surpreendente, o projeto de lei institui a cobrança do ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, sobre os planos previdenciários e securitários voltados à proteção e complementação da renda de aposentadoria das modalidades VGBL e PGBL (planos geradores de benefícios livres).
“Considero completamente errática a proposta de tributar os planos previdenciários abertos com o ITCMD. Lembro que esses planos já são tributados pelo imposto de renda, conforme cada modalidade”
O ITCMD é um imposto cobrado pelos estados. É o tributo estadual menos conhecido pelo público em geral. Sua alíquota varia atualmente de 2% a 8%. Incide sobre a transferência de bens móveis, imóveis, doações, partilha de bens no divórcio e direitos por herança.
Considero completamente errática a proposta de tributar os planos previdenciários abertos com o ITCMD. Lembro que esses planos já são tributados pelo imposto de renda, conforme cada modalidade. Cobrar mais um imposto estadual sobre a poupança das famílias com objetivos previdenciários vai causar prejuízos ao país e às 15 milhões de famílias que já aplicam nessas modalidades de longo prazo que visam proteger financeiramente suas rendas quando se aposentarem. Das 15 milhões de pessoas que investem para proteger suas aposentadorias, 4,5 milhões são da classe C, segundo pesquisa Datafolha/Fenaprevi (2023).
Os planos PGBL e VGBL são comumente utilizados pela classe média, classe C e profissionais autônomos como instrumento financeiro de complementação de suas aposentadorias e para enfrentar eventuais desafios econômicos do país ou familiar como desemprego, doença ou morte prematura de membro da família. Isso foi constatado no período da covid-19, quando os brasileiros fizeram resgastes parciais (quando o plano não é interrompido) de R$ 139 bilhões de planos PGBL e VGBL.
O envelhecimento da população brasileira e o modelo insustentável da previdência pública, praticamente obrigam as famílias a buscarem no mercado privado soluções que protejam a renda da aposentadoria. É evidente, por conseguinte, que a tributação prevista no PL 108/24 interfere nas relações contratuais existentes, contraria os interesses do consumidor, causa insegurança jurídica e desincentiva os trabalhadores a investirem parte de suas reservas atuais para complementar sua aposentadoria. De forma colateral, o aumento de tributação reduz consideravelmente a renda da família em momento de alta fragilização financeira e comoção emocional com a morte do titular.
Os prejuízos macroeconômicos ao país virão com o desestímulo aos trabalhadores pouparem para melhorar a renda da aposentadoria. O Brasil dispõe de moderno e sofisticado sistema privado de proteção e complementação da renda de aposentadoria, composto por planos abertos comercializados por instituições financeiras, previdenciárias, seguradoras (os planos de natureza securitária) e planos fechados oferecidos pelas empresas privadas e públicas aos seus empregados. O PL 108/24 cria um ambiente de insegurança jurídica que vai tirar o incentivo do brasileiro a poupar para aposentar com dignidade. Como consequência, pode afetar negativamente a formação de poupança nacional, mecanismo monetário muito importante para o financiamento dos investimentos produtivos de longo prazo.
Com interesse unicamente arrecadatório por parte dos estados, o mecanismo que estabelece a cobrança do ITCMD em investimentos com objetivos de complementação da renda previdenciária foi incluído como um corpo estranho no PL 108/24 que regulamenta a reforma tributária. Atua na contramão dos interesses do consumidor, afeta o ambiente de negócios e inibe a formação da poupança nacional.
Mesmo assim, já foi aprovado pela Câmara Federal com votos da ampla maioria dos deputados. Falta ainda ser analisado e votado pelo Senado da República. Espera-se mais sensatez dos senadores para retirar do projeto de lei esse anacrônico e perverso instrumento que contraria os interesses do cidadão-contribuinte.
Vivaldo Lopes é economista e escreve neste espaço às segundas-feiras