Pesquisa desenvolvida pela Embrapa Caprinos e Ovinos (CE) e Embrapa Meio-Norte (PI) demonstrou que sistemas agroflorestais aumentam o estoque de carbono orgânico no solo em até 50% a mais que uma área de vegetação nativa.
Já no sistema que usou consórcio de milheto ou sorgo com capim massai, o teor de nitrogênio no solo foi 60% superior em relação à mata de Caatinga. Os dados indicam que sistemas integrados de produção podem sequestrar carbono no solo e recuperar perdas por emissões de gases de efeito estufa na agropecuária.
Os resultados da pesquisa foram publicados na Revista Brasileira de Ciências do Solo e trazem indicadores de que é possível, em sistemas integrados, adotar um manejo sustentável da Caatinga que concilie a vegetação nativa e a formação de novas áreas de produção agrícola, proporcionando benefícios como aumento da produção de forragem e garantindo a segurança alimentar dos rebanhos.
Essa alternativa é importante porque, no bioma, as atividades agrícolas ainda são caracterizadas por problemas como queimadas e superpastejo, que ocasionam redução da fertilidade do solo. No Semiárido brasileiro, o estoque de carbono orgânico pode ser reduzido entre 12% a 27%, em função de fatores como as condições climáticas e manejos inadequados.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Rafael Tonucci, o principal fator para esses resultados é que os sistemas integrados de produção favorecem a chamada “produção primária líquida” [aumento da produção de forragem e da vegetação herbácea] e a decomposição de matéria orgânica, a partir das culturas agrícolas e das árvores, promovendo tanto a cobertura como o incremento de carbono no solo.
“Esse carbono vem, basicamente, da decomposição de raízes e das folhas que caem – a chamada serrapilheira, do capim e da cultura agrícola implementados nas faixas do sistema. Uma matéria orgânica de qualidade”, destaca ele.
No caso específico do sistema consorciado, Tonucci acrescenta que o incremento de nitrogênio se deve, principalmente, ao plantio consorciado com leguminosa e com a adubação utilizada. “Houve um aporte grande de nitrogênio pela entrada do feijão guandu e pela adubação em plantio convencional”, explica o pesquisador.
A pesquisa
Nos testes, desenvolvidos no campo experimental da Embrapa em Sobral (CE), foram avaliadas amostras de solo em quatro diferentes áreas: vegetação nativa de Caatinga; sistema com cultivo de planta forrageira (milho ou sorgo) consorciado com capim Massai; dois sistemas agroflorestais (AFS 10 e AFS 20), com diferentes proporções de áreas de floresta nativa preservada e áreas agrícolas, compostos por remoção da madeira de interesse comercial e área agrícola com cultivo de sorgo (ou milheto), feijão e capim Massai.
Os dois sistemas agroflorestais apresentaram melhor desempenho em relação ao estoque de carbono orgânico no solo: as análises sobre o AFS 20 mostraram um indicador de 50% a mais que o solo da vegetação nativa, enquanto no caso AFS 10, esse valor foi superior a 26% na comparação com a área de Caatinga. Já o sistema consorciado apresentou bons indicadores para o nitrogênio, em proporção 60% melhor que a área da Caatinga nativa.
Esses dados foram considerados interessantes para a equipe responsável pela pesquisa, pois a conversão da Caatinga em áreas agrícolas e de pastagens, em geral, reduz os estoques de carbono e nitrogênio no solo. A implementação de culturas com alta produção de biomassa, porém, pode promover aumento dos teores desses elementos, proporcionando, ainda, um ambiente favorável ao desenvolvimento de microrganismos no solo.
O estudo destaca também que, com a possibilidade de práticas de manejo adequadas é possível recuperar pastagens e a fertilidade dos solos, além de desenvolver lavoura e pasto de plantas forrageiras, proporcionando mais autonomia para a alimentação de animais.
Tudo isso favorece o sequestro de carbono no solo em quantidades que podem ser suficientes para recuperar as perdas por emissões de gases de efeito estufa nos sistemas de produção pecuárias. Entre elas, a emissão de metano entérico por animais ruminantes (como bovinos, caprinos, ovinos) e a emissão de óxido nitroso proveniente do uso de fertilizantes.
“Sempre que a gente fala de mitigação de gases, entramos em uma lógica de balanço, de emissões e reduções. E o solo entra nesse balanço como o principal componente: é termos árvores, elas têm sua importância para o sequestro de carbono, mas o maior estoque, o maior reservatório de carbono é o solo, não é a floresta”, frisa Tonucci.
Redução de degradação dos solos
Os pesquisadores apontam que outro benefício do incremento da matéria orgânica no solo, por meio de sistemas integrados de produção, é a possibilidade de reduzir processos de erosão e degradação do solo na Caatinga. Tonucci destaca que a matéria orgânica funciona como um “cimento” para dar coesão às partículas que compõem o solo.
No caso da Caatinga, além do solo ser naturalmente pobre em matéria orgânica, predomina uma precipitação de pancadas de chuvas fortes em pouco espaço de tempo, que pode causar processos de degradação.
“O principal benefício do sistema integrado é que temos cobertura de solo quase o ano inteiro. Isso minimiza muito a erosão, é como se tivéssemos um ‘cimento” mais forte para que as partículas fiquem próximas umas das outras e reduza o impacto das chuvas: a água vai infiltrar lentamente, o solo terá tempo para absorvê-la”, explica Tonucci, que acrescenta que a cobertura vegetal também reduz a temperatura do solo, favorecendo a sobrevivência de microrganismos e nutrientes para as espécies vegetais.
O pesquisador Henrique Antunes, da Embrapa Meio-Norte, explica que para minimizar a degradação dos solos, a principal medida é utilizar práticas conservacionistas, como o cultivo em consórcio, a exemplo do milho consorciado com alguma gramínea forrageira.
“Essa medida ajuda, por exemplo, a aumentar em médio e longo prazo a matéria orgânica no solo e, inclusive, abafar plantas daninhas que irão aparecer durante o cultivo do milho”, comenta. Essas estratégias são acessíveis ao agricultor que pode também plantar espécies florestais, contribuindo para o bem-estar animal, caso tenha animais na área.
Antunes ressalta que a própria ciclagem de nutrientes pela geração de serrapilheira do componente florestal também é um ponto importantíssimo para a melhoria de matéria orgânica. O pesquisador recomenda que o agricultor procure utilizar plantas de cobertura e palhada para proteger o solo, além de procurar implantar algum sistema de integração ou agrossilvipastoril em algum grau.
“A ideia é que sempre que possível, o agricultor possa adotar algum sistema que proporcione ou que possibilite, se não um aumento, pelo menos a manutenção dos patamares de matéria orgânica em ambientes extremamente frágeis, como em áreas degradadas, por exemplo”.
Benefícios do incremento da matéria orgânica no solo
Entre os benefícios do incremento de matéria orgânica no solo estão as melhorias em termos de nutrientes e de atividade biológica no solo. No caso da Caatinga, o pesquisador Henrique Antunes explica que nos sistemas mais conservacionistas, como os agroflorestais, o uso de consórcio de cultura propicia uma heterogeneidade de raízes (das diferentes culturas agrícolas) dentro do sistema de produção.
“Em ambientes um pouco menos resilientes, é importante a inserção de matéria orgânica. A estratégia a ser usada para incremento de matéria orgânica tem que ser das mais diversas e, acima de tudo, aquelas mais acessíveis ao agricultor”, esclarece Antunes.
O uso de palhada, plantas de cobertura, adoção de sistemas agroflorestais ou Integração Lavoura, Pecuária, Floresta (ILPF) ou mesmo o uso de consórcios com deixada de palhada na área, ou seja, o uso de uma pastagem bem formada e bem manejada são formas de incrementar a matéria orgânica.
“A importância do aumento de matéria orgânica se traduz, de médio a longo prazo, em estabilidade de sistemas. E aí isso acaba contribuindo para maior rendimento das culturas. Mas acima de tudo, não só o rendimento, mas uma melhoria do ambiente edáfico [da saúde do solo], com melhoria na química, física, biologia e, consequentemente, também maior resistência a estresses abióticos como o estresse hídrico”, complementa Antunes.
O incremento na matéria orgânica no solo contribui também para mitigar a emissão de gases de efeito estufa na agropecuária, mas segundo o pesquisador essa redução não acontece de uma hora para outra, é um processo que depende da dedicação do produtor e da adoção de práticas conservacionistas e de uso de sistemas biodiversos com presença de componente florestal, presença de gramíneas forrageiras, de culturas diferentes, de raízes diferentes.
“Os sistemas agrossilvipastoris ajudam a minimizar a emissão de gases de efeito estufa, mas acima de tudo, eles ajudam a aumentar a qualidade e a quantidade de matéria orgânica nos sistemas.
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