Regra atual, de 2014, perde a validade em 9 de junho. Texto ainda precisa passar por votação na Câmara dos Deputados e aumenta para 30% a reserva total de vagas. O Senado aprovou nesta quarta-feira (22) projeto que renova as cotas para negros – pretos e pardos – em concursos públicos e inclui indígenas e quilombolas.
Texto foi aprovado em votação simbólica no plenário do Senado nesta quarta-feira (22).
Jonas Pereira /Agência Senado
A regra é de 2014 e perde a validade no próximo dia 9 de junho. Por isso, a necessidade de votação da proposta, que ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados antes de virar lei.
O texto aumenta de 20% para 30% a reserva do total de vagas, para os quatro grupos, nos seguintes casos:
concursos públicos para cargos efetivos no governo federal, autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou controladas pela União;
processos seletivos para vagas temporárias em órgãos públicos.
O governo decidirá futuramente, via decreto, como 30% das vagas serão divididas entre negros, indígenas e quilombolas.
O candidato poderá escolher apenas uma das quatro categorias, mesmo que pertença a mais de uma.
O autor da proposta é o senador Paulo Paim (PT-RS), que é negro.
Revisão após dez anos
A legislação atual, instituída em 2014, deu um prazo de dez anos para a política pública, que termina em junho. Já o projeto aprovado, em vez de estipular limite para encerramento das cotas, prevê a “revisão” da regra após dez anos.
Pela proposta, todas as pessoas negras, indígenas e quilombolas que optarem pelas vagas reservadas terão de passar por banca de identificação para confirmar a autodeclaração, feita pelos candidatos no momento da inscrição.
Se, nesse procedimento de confirmação, a pessoa for negada a concorrer às vagas reservadas, ainda poderá disputar ao cargo na concorrência geral.
A lei em vigor não trata dessa necessidade de averiguar a autodeclaração. Mas a norma é aplicada na prática pois o Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) determina a banca de heteroidentificação- observação das características físicas do candidato por especialistas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu – quando considerou as cotas raciais constitucionais –que a banca de confirmação é constitucional “desde que respeitada a dignidade da pessoa e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.
Outros pontos do projeto:
só deixará de concorrer, dentro das cotas, o candidato que tiver identidade diferente da informada na autodeclaração, após decisão unânime da banca;
se comprovada denúncia de fraude ou má-fé na autodeclaração, o candidato será eliminado do concurso ou terá anulada sua admissão ao cargo público;
mesmo que as pessoas optem pelas vagas das cotas, vão concorrem simultaneamente no sistema universal. Neste caso, caso atinjam nota para passar no concurso, dentro da ampla concorrência, não usarão a reserva de vagas;
na falta de candidatos que se autodeclaram negros, indígenas ou quilombolas, as vagas remanescentes vão para o regime geral.
Candidatos autodeclarados negros são reprovados em cotas raciais de concursos no DF
Preocupação com ‘Enem dos Concursos’
A oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Senado, contrária ao projeto, tentou, por mais de uma vez, atrasar a análise do texto.
Logo no início da sessão, o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), comunicou adiamento da análise da proposta para a próxima semana.
Segundo senadores da base do governo, o pedido para adiar teria vindo do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não estava presente.
A matéria foi votada depois de apelo da bancada do PT, que teme que a lei de cotas em concursos não seja renovada a tempo. Se isso acontecer, há risco de os editais serem questionados judicialmente. A principal preocupação gira em torno do Concurso Público Nacional Unificado (CNU), o chamado “Enem dos concursos”, ainda sem data para ser aplicado.
O exame, que deveria ter ocorrido em maio, foi adiado em razão das fortes chuvas no Rio Grande do Sul. Segundo o Ministério da Gestão e Inovação (MGI), quase 421 mil candidatos — dos mais de 2,1 milhões de inscritos — vão concorrer por cotas raciais.
Cotas sociais
Já durante a votação, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apresentou proposta para que o conteúdo do projeto fosse alterado e instituísse somente a cota social, baseada na renda do candidato.
“Alguém deixa de passar num vestibular por causa da cor da pele? Não. Alguém deixa de passar num concurso público por causa da cor da pele? Não. (…) Deixa de passar porque, via de regra, as pessoas que têm mais condições de pagar um ensino melhor conseguem um desempenho melhor, uma nota melhor. Então, nada mais justo do que a gente caminhar de uma vez por todas para essa linha de atender todos os pobres de uma só vez”, disse o parlamentar.
A proposta acabou rejeitada pelo plenário, por 32 votos a 29. Relator do projeto, o senador Humberto Costa (PT-PE) destacou que, mesmo entre pessoas de mesmos rendimentos, “é sempre mais provável, estatisticamente demonstrável, que alguém de cor branca tenha mais possibilidades de ser aprovado em um concurso como esse”.
“Todos nós sabemos o quanto é importante a presença das pessoas negras, pardas, indígenas, por exemplo, ocupando uma vaga no nosso Itamaraty ou ocupando cargos de direção importantes dentro dos ministérios, levando para as pessoas o conhecimento do que é a realidade de ser negro no Brasil, de ser preto, de ser pardo, de ser quilombola, de ser índio”, afirmou.
Para o líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), as cotas são uma “pauta identitária, que pretende dividir o Brasil em guetos” ao criar “tribunais raciais, que levam em consideração o tipo físico, e não a ascendência das pessoas”.
“As universidades estão tendo dificuldades de recepcionar esses cotistas. A notícia que nós temos é que eles deveriam ter sim uma educação suplementar. Estamos vendo algumas universidades diminuindo a qualidade dos seus currículos, e isso não é bom para a nossa produtividade, para a formação da nossa mão de obra, para a nossa autoestima como nação”, disse.
Em resposta aos discursos dos oposicionistas, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), afirmou: “Me parece, me soa, às vezes, que o discurso tenta eufemizar o racismo, tenta dourar o racismo, esquecendo a raiz estrutural da escravidão sobre o povo preto, da formação da sociedade e do Estado brasileiro”.
Fabiano Contarato (PT-ES) argumentou ser “muito cômodo, para nós homens brancos, falar em igualdade, que todos somos iguais”. Ele que sugeriu, em parecer preliminar do texto, o aumento da reserva de 20% para 30% das vagas em concursos para a população negra, indígena e quilombola.
“Eu queria fazer uma reflexão com os colegas aqui e perguntar: qual foi a última vez que os senhores participaram de uma audiência em que o juiz era preto? Qual foi a última vez que os senhores foram consultados por um médico preto? Qual foi a última vez que você foi orientado por uma advogada negra? Que país igualitário é esse, quando nós temos 70% da população carcerária, no Brasil, de pretos?”, questionou o petista.
Até agosto de 2023, 21 senadores se declararam negros (pretos e pardos) – 26% da composição do Senado, formado por 81 parlamentares.
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