Por Gustavo Blasco
Se a projeção mais recente do Banco Central for confirmada, o Real Digital será lançado para a população até o fim de 2024. Ou seja, está logo aí. Momento mais que oportuno para empresas, bancos, fintechs e consumidores estarem cada vez mais familiarizados com o termo – Real Digital – e suas consequências diretas e indiretas.
Compreendida como a moeda virtual oficial do Brasil, o Real Digital será uma das primeiras CBDCs, acrônimo do nome em inglês, Central Bank Digital Currency (Moeda digital de Banco Central), do mundo. Diferente de stablecoins populares como USTD (pareada ao Dólar) e BRZ (pareada ao próprio Real) esta moeda terá o condão de ser criada e tutelada pelo Estado, possuindo curso forçado (sua aceitação pelo público é obrigatória por lei) e 100% de lastro à sua moeda “mãe”, no caso o Real.
Com ele, o Banco Central do Brasil sinaliza caminhar e explorar o potencial da tecnologia blockchain, para oferecer aos cidadãos uma forma segura e mais eficiente de realizar transações financeiras.Sendo assim, será o Banco Central quem irá “produzir”, regular e emitir a moeda, assim como faz com o papel-moeda e com a moeda eletrônica. A moeda digital será distribuída por bancos, instituições financeiras e de pagamento.
E como isso impacta o nosso dia a dia?
A ideia principal é levar à nossa moeda soberana os benefícios das criptomoedas nativas e das finanças descentralizadas sem renunciar às vantagens do dinheiro tradicional, tais como baixa volatilidade, altíssima capacidade de servir como reserva de valor, segurança transacional e de custódia, rastreabilidade e, muito menos, do monopólio do Estado.
Entre as principais inovações do mundo cripto que o BC pretende abraçar com o Real Digital estão a possibilidade de integração com outras redes e com protocolos de Smart Contracts (Contratos Inteligentes), o que permitirá diminuir custos de inúmeras operações bancárias, ampliar o contingente de pessoas no mercado financeiro, facilitar a concessão de crédito, simplificar os processos de movimentação de dinheiro, compras no varejo, investimentos, transações, entre outros.
De modo resumido, o foco do Banco Central são os consumidores conectados ao mundo digital.
Visando aumentar a capacidade do Real Digital em impactar a economia brasileira como um todo, essa solução terá versões diferentes, cada uma lançada com um objetivo específico para seu uso. Atualmente são denominadas como “versão de atacado” e “versão de varejo” (também chamada de “real tokenizado”).
Embora não tenhamos neste momento informações mais concretas ou mesmo fontes cem por cento confiáveis, a versão de atacado do Real Digital será destinada para pagamentos entre o Banco Central e as instituições financeiras; esse é o principal foco do Bacen, já que serão as instituições que irão guiar o uso dessa solução para os usuários finais.
Por outro lado, a versão de varejo ainda está distante, já que essa modalidade deve ser diretamente relacionada ao consumidor final. Aqui é onde entra a perspectiva futura de uso dessa moeda virtual para pagamentos do dia a dia, seja no e-commerce ou no varejo tradicional.
Previsto para entrar em operação em 2024, o Real Digital promete revolucionar a economia no Brasil. Fonte: Getty Images
Para objetivarmos mais a análise e deixarmos ao leitor um exemplo claro do poder disruptivo do Real Digital, imagine uma operação de crédito qualquer na qual determinada instituição credora empresta R$ 100.000,00 a um devedor qualquer, “grava” a dívida no Real Digital e programa um “Smart Contract” com a seguinte regra: toda transferência de Real Digital que tenha como destinatário este devedor deverá ser dividida em duas partes, na qual uma das partes deve representar 20% do valor da transação e ser redirecionada para a conta da instituição credora até o limite de R$ 100.000,00.
Pronto, o credor obteve de garantia todo fluxo de recebimentos do devedor. Tal prática, que pode ser estendida para qualquer modalidade de crédito e estressada para diversos outros cenários, certamente criará um ecossistema totalmente novo no mercado financeiro e permitirá um imenso aumento na oferta de crédito em paralelo com fortes reduções nas taxas médias efetivas de tais empréstimos, visto que haverá um evidente aumento na qualidade das garantias.
Este é apenas um exemplo dentre inúmeros que poderiam ser dados, porém deve ser suficiente para mostrar o tamanho da capacidade transformacional da iniciativa do Real Digital.
Outro ponto importante e que torna o Real Digital tão atraente é a sua possibilidade para aplicações e integração com novas tecnologias do mundo físico. Muitas empresas já estão propondo soluções que utilizem o Real Digital para melhorar a eficiência de serviços, criar mercados e atualizar sistemas dentro do varejo, dos serviços de pagamentos no e-commerce e a integração com a internet das coisas (IoT).
Como exemplo final, sabe aquela cena futurista na qual a sua geladeira identifica que acabou o estoque de cervejas e faz o pedido no supermercado por conta própria? O Real Digital permitirá que esse pagamento só seja liberado ao vendedor, quando a sua geladeira confirmar que a cerveja chegou e já está gelada – e não, não há nenhuma hipérbole aqui.
Estamos acostumados a criticar nosso país e nossos governos, porém a verdade é que atualmente o mercado financeiro possui dois órgãos reguladores (BC e CVM) extremamente eficazes e pró inovação, os quais estão induzindo uma agenda microeconômica extremamente positiva e transformacional; cabe, agora, às empresas e pessoas estudarem como aproveitar todas as vantagens do real digital e de todas as inovações que aí estão. E sem perda de tempo. Afinal, o final de 2024 está logo ali.
****
Gustavo Blasco é fundador e CEO do Grupo GCB, holding das fintechs Adiante e PeerBR, e da GCB Investimentos. O executivo é economista, formado pelo Mackenzie e detém as certificações: Certificado Nacional de Profissionais de Investimento (CNPI) e o Certificado de Gestor Anbima (CGA).