Não mais tão verde, Cuiabá tem calor extremo e arborização abaixo da cota | …

Rodinei Crescêncio/Rdnews

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O título de Cuiabá Cidade Verde, hoje, é apenas no papel. Após 305 anos de história, a Capital mato-grossense deixou de ser uma das cidades mais arborizadas do país. Atualmente, segundo levantamento da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a cobertura vegetal de Cuiabá beira 26%, enquanto o percentual mínimo para uma cidade ser chamada de arborizada é de 30%. Com a queda da vegetação dentro do perímetro urbano, a pré-disposição ao clima quente e seco se intensificou e, cada vez mais, as temperaturas em Cuiabá têm sido registradas acima da média histórica.

Os pais, os avós, os bisavós foram cortando para os netos, bisnetos e foram tirando as mangueiras, os cajueiros, os limoeiros, as goiabeiras que eram os quintais cuiabanos. Perdeu-se a referência verde nos quintais


Lamenta o ecologista Abel Nascimento

De acordo com o relatório do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), apenas no último verão, Cuiabá ficou com a média das temperaturas máximas 2,7°C acima da média histórica, atingindo 35,8°C. No entanto, a temperatura mais alta da estação foi de 40,6°C, no dia 28 de dezembro.

As árvores auxiliam no equilíbrio térmico de áreas de ilhas de calor como Cuiabá, uma vez que as folhas conseguem absorver a radiação solar, impedindo que o calor chegue ao solo. Entretanto, devido a inserção de materiais como concreto e asfalto no chão, essa radiação não é absorvida e fica na superfície, causando elevação na temperatura. Como Cuiabá está inserida em uma depressão, esse problema se agrava, já que a radiação é mais intensa em níveis mais baixos do que em altitudes elevadas.

Já no caso das edificações, a preferência por concreto ao invés de tijolos de barro intensifica o aquecimento dentro de casa. Por não absorver mais calor, o uso de concreto em facilita a irradiação do calor pelas paredes e, assim, ele vai para os cômodos com mais intensidade.  

“Segundo uma pesquisa feita pela professora Gilda Maitelli com os alunos do curso de geografia, a diferença da temperatura do centro de Cuiabá para a região do Horto Florestal é de 4°C. Isso acontece porque o concreto das construções dificulta a dissipação do calor e esse processo demora cerca de oito horas no Centro, sendo que, no Horto Florestal, o tempo não chega a duas horas”, comenta o ecologista José Abel Nascimento.

Cuiabano, José Abel está na luta pela volta da Cidade Verde há mais de 20 anos. Para ele, a maior tristeza é o sumiço dos quintais nas casas cuiabanas.

“Os pais, os avós, os bisavós foram cortando para os netos, bisnetos e foram tirando as mangueiras, os cajueiros, os limoeiros, as goiabeiras que eram os quintais cuiabanos. Perdeu-se a referência verde nos quintais e já não existe essa cultura”, conta Abel Nascimento.

Rodinei Crescêncio

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Em visita ao Centro Histórico, com o auxílio do arquivo do perfil do Instagram @cuiabadasantigas, a reportagem do comparou os registros antigos de regiões emblemáticas da Capital a fim de revelar a mudança na arborização da cidade. Nos pontos observados, é possível ver o quanto a poluição visual aumentou com a inserção dos fios de energia, mas também foram poucas as palmeiras que enfeitavam a área central que resistiram às mudanças. No caso da Rua 13 de Junho, a calçada de árvores deu lugar a vários comércios.

Galeria: Cuiabá 305 anos – o antes e o depois

“Cuiabrasa”

No lugar de Cidade Verde, um apelido mais razoável seria Cuiabrasa, que já é adotado por muitos cidadãos. A primeira vez que a temperatura máxima na cidade bateu mais de 42°C foi em 2020, após 108 anos da primeira ocorrência. Esse número veio a se repetir em 2023, quando os termômetros registraram 44,3°C.

O climatologista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso, Rodrigo Marques, avalia que, com as diminuições dos terrenos pela prefeitura, é bem possível que o clima fique ainda pior.

“Então pensa, foram 108 anos pra ter o primeiro registro de 44°C e só precisou de três anos para repetir a mesma marca. Conforme passa o tempo, cada vez mais você tem a diminuição dos terrenos que, pra mim, é a pior coisa. Para se ter uma ideia, no ano passado, a Câmara Municipal aprovou uma lei que vai permitir que os terrenos tenham até 70 m². Como eu vou falar de quintal arborizado num terreno de 70 m²? Mal tem espaço para uma casa. Desse jeito, Cuiabá está indo na contramão do que se pensa sobre uma cidade que tem se adaptar com o aumento da temperatura”, afirmou Rodrigo.

Outro debate que atravessa a problemática do calor na Capital é a mudança nos padrões de construção. Segundo o professor, a troca do uso de adobe, material que auxilia no resfriamento do interior, pelo concreto acarreta o aumento do uso de energia.

 “Cuiabá precisa discutir seriamente o que é possível ser feito para que a gente não continue alguns padrões de construção, sobretudo pra população mais pobre. Os conjuntos mais populares tendem a construir um tipo de casa que o próprio material que faz com que a casa seja muito mais quente. Aí quem morar nela vai ter que gastar mais com energia porque você vai precisar dar um jeito de baixar a temperatura”, pontuou.

O comerciante Silval Gaspar é goiano, mas está há 54 anos em Cuiabá. Ao chegar na cidade, o calor assustou o recém-chegado.

“Quando eu vim de Goiás, eu estranhei. Eu até disse que isso aqui não era lugar de gente morar, mas, como só vim com a passagem de vinda, tive que acostumar”, conta.

Rodinei Crescêncio/Rdnews

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Necessidade de refrescar

O calor em Cuiabá, antes de culpar o aquecimento global, pode ser amenizado com a retomada da arborização da cidade. Para a Capital ser uma cidade que controle a temperatura, como Goiânia (GO) e Curitiba (PR), especialistas apontam que o Plano Diretor deve ser atualizado, assim como a realização de um específico para a arborização. A arquiteta e urbanista Jandira Pedrollo comenta que o atual plano da cidade já “venceu” em 2017 e novas medidas precisam ser tomadas.

Eu preciso ter essa preocupação reduzir as ilhas de calor com esses arcabouços verdes, com esses corredores ecológicos, corredores verdes, corredores ecológicos, para a dispersão do calor. Uma cidade que não tem árvore é uma cidade que não tem vida, essa é a grande verdade


Frisa a arquiteta e urbanista, Jandira Petrollo

“Não se trata apenas de plantar árvores, é necessário todo o planejamento de seus cuidados e manutenção, já que podas indevidas as danificam. É necessário que os novos projetos respeitem a natureza, que tenham o paisagismo como fator de grande importância, incentivando o uso de materiais e tecnologias sustentáveis”, comenta.

Ainda, Pedrollo afirma que toda vegetação é benéfica e merece seus cuidados. Além das árvores, as vegetações arbustivas e rasteiras também são importantes para a melhoria da qualidade de vida.

A volta do título de Cidade Verde é um desejo que grita no peito de José Abel. Para ele, trazer as árvores de volta e construir mosaicos verdes pela cidade é uma necessidade pelo bem da cuiabania.

“Eu preciso ter essa preocupação reduzir as ilhas de calor com esses arcabouços verdes, com esses corredores ecológicos, corredores verdes, corredores ecológicos, para a dispersão do calor. Uma cidade que não tem árvore é uma cidade que não tem vida, essa é a grande verdade. Estamos no aniversário de Cuiabá e vamos perder um título de “Cuiabá Cidade Verde” por quê? Pela falta de gestão pública? Pela falta de gestão verde na cidade?”, opina.

Administrador do perfil @cuiabadasantigas, o jornalista Marcy Monteiro comenta que, ao lidar com os registros históricos de Cuiabá, o que permanece após a derrubada da paisagem cuiabana é o desejo da Capital ser bela novamente.

“Antigamente todo o entorno ali da região central era cheio de árvore e eu espero poder ver esse retorno ainda. Mas depende muito de vontade política, porque, em algumas cidades, existe um centro histórico mais preservado voltado ao turismo. Eu não falo nem voltado ao turismo em Mato Grosso, mas se a gente pensasse no próprio povo cuiabano, eu creio que as pessoas aproveitariam mais a cidade que eles têm”, afirma.



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