Filósofos importantes e bem difundidos no Brasil como Auguste Comte e Rousseau pensavam de modo parecido sobre mulheres, considerando-as menos capazes de compreender os assuntos complexos da política, os quais só os homens poderiam dominar. Já o filósofo inglês Stuart Mill foi deputado em 1865, escreveu ensaios apoiando a liberação das mulheres e acreditava que se as mulheres fossem social e politicamente emancipadas, elas seriam mais bem educadas e teriam melhor percepção sobre as coisas. Mill criticava o princípio que regulava as relações sociais e políticas entre os sexos e dizia que isso era um grande obstáculo ao progresso humano.
Stuart Mill trocou cartas por quase uma década tentando convencer o francês Auguste Comte de que a pouca inclinação das mulheres, de seu tempo, para as questões públicas era fruto da educação que recebiam, o que poderia e deveria ser mudado, porém o francês não mudou de opinião. Para Comte, as mulheres eram biologicamente inferiores aos homens e a sua única missão era educar os filhos e zelar pelo lar. Mill, irritado, escreveu um livro criticando duramente o pensamento de Comte e encerrou o ciclo de troca de cartas.
“Stuart Mill trocou cartas por quase uma década tentando convencer o francês Auguste Comte de que a pouca inclinação das mulheres, de seu tempo, para as questões públicas era fruto da educação que recebiam, o que poderia e deveria ser mudado, porém o francês não mudou de opinião”
Os políticos e a elite intelectual brasileira liam muito John Stuart Mill e o filósofo era muito citado nos debates entre parlamentares. O escritor José de Alencar, era um deles e quando foi deputado, em 1861, reconheceu que as mulheres não poderiam ser impedidas de participar da política, porque elas tinham interesse no que acontecia na sociedade. No discurso favorável à participação da mulher na política, disse: “A civilização um dia concederá esse direito. Então, essa parte da humanidade que, na vida civil, comunga em nossa existência, não há de ser esbulhada de toda a comunidade política; aquelas que são esposas, mães, filhas e irmãs de cidadãos, e têm senão maior, tanto interesse na sociedade como eles, não serão uma excrescência no Estado. Participarão da vida política por seus órgãos legítimos.”
Em 1879, a Câmara dos Deputados voltou a discutir o sistema eleitoral brasileiro e não faltou citação as obras e pensamento do Stuart Mill sobre o voto feminino. Ocasião em que o Deputado Cézar Zama, médico e escritor se pronunciou convencido de que a igualdade em matéria de política fosse concedida às mulheres. Apressadamente o Deputado Freitas Coutinho, respondeu: Deus nos livre disso!
Deus os livrou por algum tempo, porém em 24 de fevereiro de 1932, há exatos 92 anos foi instituído, através de decreto, o voto feminino no Brasil. Inicialmente limitado às mulheres casadas, com autorização expressa dos maridos. A data celebrada em 24 de fevereiro de 1932, incorporado a Constituição de 1934, foi um grande passo na luta pela igualdade, pelo direito de a mulher expressar-se politicamente.
Mulheres como Bertha Lutz, que fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino, considerada a primeira organização feminista brasileira; a advogada Almerinda Farias Gama, que foi a única mulher aceita delegada na Assembleia Constituinte de 1934, Celina Guimarães, a primeira mulher a registrar-se como eleitora no Brasil; a professora Leolinda Daltro, que fundou o Partido Republicano Feminino em 1910. Essas mulheres lideraram movimentações importantes no sentido de sensibilizar os políticos a apresentarem projetos de lei em favor da liberação do voto feminino.
Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com