Momentos de desconexão com a dureza da labuta | …

Olga Lustosa

Assisti a aula magna do sociólogo italiano Domenico de Masi essa semana, ofertada pelo Instituto Conhecimento Liberta, onde ele reafirma a beleza da tese que o tornou famoso há duas décadas, conhecida como O Ócio Criativo, defendendo que precisamos incorporar em nossas rotinas a meditação e a reflexão, que precisamos de momentos de tranquilidade para refletir sobre nós mesmos, sobre nosso destino. “Temos a necessidade de amizade, de amor, de brincadeira e de beleza. Temos a necessidade da convivência. Essas necessidades não exigem dinheiro ou riqueza. Não é uma questão econômica, é uma questão de doação. Ao doar meu amor, não reduzo meu poder amoroso, pelo contrário, saio fortalecido”.

No livro há uma passagem em que De Masi fala que um executivo acerta nove em dez tentativas e segue gerenciando satisfatoriamente seu negócio. O indivíduo criativo faz o oposto: erra nove em dez tentativas, mas, quando acerta muda o mundo, abrindo novas possibilidades inovadoras. O ócio criativo consiste na possibilidade de realizar trabalhos nos quais o trabalhador desenvolve uma atividade que, ao mesmo tempo, é um trabalho com o qual ele cria riqueza, é estudo com o qual ele cria conhecimento, e é jogo com o qual ele cria bem-estar e brincadeira. Pode ser o trabalho da dona de casa, do sacerdote, do artista, do profissional, do padre, de quem desenvolve um trabalho com TI, com diversão, alegria e ensinamentos.

Precisamos espreitar a vida que acontece num ambiente, ainda que não seja o nosso, dançar ao ritmo da música eletrônica de Alok ainda que tenhamos sido contratados para limpar o chão da área do show

De Masi perpassa pelas mudanças experimentadas pelo mundo, fala das condições de vida consideradas ideais pelo filósofo Platão, em O banquete: “Conviver com um grupo de amigos criativos, paixão pela beleza e pela verdade, liberdade carismática e tempo à disposição sem a angústia de prazos e vencimentos improrrogáveis”. O ócio é, em certos casos, a liberdade de ter controle sobre o tempo. Aristóteles acreditava que a vida com tempo suficiente para ponderar o que é essencial, era mais suscetível de conduzir a felicidade do que a vida do comerciante ou do político muito ocupado.

Faz o contraponto, ao falar da cada vez mais rápida escalada das novas tecnologias, que alcançará uma população mais longeva, “em média, o ser humano viverá de 780 mil a 790 mil horas (atualmente, a média é de 730 mil horas); marcada pela inteligência artificial, que se sobreporá a grande parte do trabalho intelectual realizado hoje”. No entanto, De Masi não reclama e diz que o avanço das tecnologias melhorou nossa qualidade de vida e propiciou, inclusive, a palestra dele, baseado em sua residência em Roma, para o público brasileiro. 

Assisti a aula e dias depois, um episódio reforçou minha crença que precisamos transportar a alegria que transborda nos momentos de ócio para nossas atividades diárias. Precisamos espreitar a vida que acontece num ambiente, ainda que não seja o nosso, dançar ao ritmo da música eletrônica de Alok ainda que tenhamos sido contratados para limpar o chão da área do show. A diarista Luzimar, trabalhadora de limpeza da festa onde o DJ tocava, foi filmada dançando alegremente com a vassoura e a pá na mão, em frente ao palco. A alegria da moça não durou. Luzimar não estava “fazendo nada”. Apenas emprestou alegria ao trabalho e não foi entendida.    

Ela perdeu a diária que receberia pelo dia de trabalho e a empresa postou justificando: “O pessoal da limpeza tem que ter postura, não é pago para ficar dançando”.  

Alok fez apelo nas mídias sociais para localizar Luzimar e reparar a punição sofrida pela diarista, além de ofertar-lhe uma ajuda bem mais significativa do que uma diária.

Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com



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