Melaço sintético: pesquisadores alcançam composição reproduzível

Um novo estudo conduzido por brasileiros e europeus permitiu a produção de um tipo de melaço sintético com composição mapeável e totalmente conhecida, possibilitando sua reprodução. A pesquisa em questão foi financiada pela Fapesp e publicada na revista Scientific Reports.

Há muitas barreiras para se trabalhar com melaços naturais, principalmente pela sua composição variável e complexa. Essas variações dificultam na produção industrial e pesquisa científica pela falta de padronizando, impossibilitando comparações mais precisas.

O melaço natural é utilizado na produção do etanol sendo o meio de cultivo da levedura Saccharomyces cerevisiae para a fermentação.

Nesse contexto industrial, a pesquisa buscava encontrar uma fórmula que possibilitasse, o cultivo de leveduras de forma a reproduzir o mesmo comportamento observado no melaço industrial, como conta Thiago Basso, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e orientador de Kevy Eliodório e Gabriel Cunha, outros autores envolvidos na publicação.

“O objetivo principal era encontrar uma fórmula que permitisse cultivar leveduras com comportamento o mais próximo possível daquele observado quando a mesma levedura é cultivada num melaço industrial real”, explica.

“O melaço sintético que obtivemos, padronizado, permite que pesquisadores em diversas partes do mundo possam testá-lo como meio de cultura para os microrganismos que estejam estudando. Além disso, resultados obtidos em diferentes laboratórios serão mais facilmente comparados uns aos outros, um aspecto importante para a ciência”, diz Eliodório.

Ele exemplifica citando que a formulação foi testada na Alemanha, no Helmholtz Centre for Environmental Research, durante estágio no exterior feito durante seu doutorado.

Essa padronização da estrutura do melaço permite o mapeamento e reprodutibilidade ao redor do mundo todo, seja no desenvolvimento de bioprocessos, como vimos no caso do etanol. A descoberta também é vantajosa em meio laboratorial e científico, permitindo o estudo fracionado dos componentes.

“Essa é uma vantagem obtida neste trabalho. A possibilidade de ajuste dos componentes pode, entre outras coisas, permitir o estudo do efeito causado por inibidores de crescimento e por diferentes componentes nutricionais, além de abrir portas para uma análise de fluxos metabólicos quantitativa, entre outras coisas”, esclarece Basso.

Usando os dados de amostras reais, literatura e a composição prévia, ajustes sistemáticos foram feitos. “Cada novo ajuste era avaliado por meio de testes de crescimento de levedura, até que chegamos a uma composição que levou a um comportamento da levedura semelhante ao observado em melaços reais”, explica Eliodório.

Melaço - Cana-de-açúcar

Elementos analisados separadamente

Todos os componentes foram divididos em grupos nutricionais específicos (sais, ácidos orgânicos, vitaminas, elementos-traço, açúcares e outros) e analisados separadamente. Nessa etapa, a pesquisa buscou não só desenvolver uma composição, mas também apresentar uma caracterização daquilo que mais influenciava o comportamento das leveduras. 

O melaço natural contém grandes quantidades de açúcares fermentáveis e outros nutrientes. Vários compostos, incluindo fatores de crescimento, macro e micronutrientes, variam dependendo do tipo de cana, solo, clima e condições de processamento. Além disso, alguns compostos gerados durante o processamento da cana podem inibir o desempenho da levedura, afetando a produção de etanol.

A etapa de validação mostrou resultados muito satisfatórios. “Adicionalmente, nós também demonstramos que um meio de cultivo clássico utilizado para leveduras (YPS, extrato de levedura, peptona e sacarose) não permite tal comparação fisiológica, por gerar valores distintos nessas características. 

Dessa forma, nosso meio consegue mimetizar os melaços reais de uma maneira muito apropriada, apresentando vantagens interessantes no dia a dia de trabalho e também na pesquisa científica”, exalta Basso.

O resultado da pesquisa traz flexibilidade para o preparo do melaço sintético por permitir o ajuste das proporções dos diferentes grupos nutricionais, até porque um dos pontos que intrigavam o grupo era a influência do nitrogênio na fermentação. 

“Diz-se que a baixa concentração desse elemento faz com que a produção de etanol seja mais elevada. Foi mostrado nesses experimentos com concentrações ajustadas que, de fato, isso acontece”, apontam os pesquisadores.

“Acreditamos que o melaço sintético desenvolvido nesse trabalho abrirá caminho para que pesquisadores em diversas partes do mundo possam desenvolver novos bioprocessos baseados no uso do melaço de cana-de-açúcar, uma das matérias-primas mais importantes na biotecnologia industrial”, completa Basso.

A pesquisa também contou com Reinaldo Giudici, professor da Poli-USP, e Andreas Gombert, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A equipe europeia foi composta por Morten Sommer, professor da Technical University of Denmark, e Felipe Lino, cofundador da startup Nosh.bio GmbH.

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