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Moradores de mais de 30 Terras Indígenas sofrem com os incêndios e estão perdendo suas casas, ferramentas e alimentos em Mato Grosso. Com as aldeias em chamas nas últimas semanas, caciques pedem socorro para que os povos não sejam esquecidos e que o combate chegue até esses territórios a tempo. Além disso, uma campanha arrecada alimentos e outros donativos para essas famílias que sofrem com essas perdas.
“Perdemos as ferramentas, alimentos, enxada, geladeira, fogão, televisão, cama, roupas, alimentação. Perdemos documentos pessoais. Além disso, duas casas foram destruídas. É muito triste ver tudo sendo queimado. Como é um território muito grande, as equipes de brigadas não conseguem chegar em todas as terras”, relata o cacique Félix Tsiwepsudu Tseredze, da Aldeia São Marcos, na Terra Indígena São Marcos, na região de Barra do Garças.
Segundo o líder indígena, as mudas e depósito de sementes do Programa REM MT, que visa aumentar a capacidade de produção e estoque e alimentos no território Xavante, também foram queimadas. O projeto trabalha para fortalecer as roças agrícolas dos povos indígenas com a utilização de sementes crioulas para serem reservadas para as safras seguintes. No entanto, foi prejudicado com o fogo.
“Algumas mudas para reflorestar o Cerrado, que também faz parte do programa de conservação ambiental e recuperação ecológica, foram queimadas”, afirma.
Além da destruição, as queimadas estão impactando os meios de subsistência desses povos indígenas, cuja alimentação depende dos cultivos das roças, da caça e dos alimentos típicos que a vegetação local possui naturalmente.
“O fogo veio, entrou na comunidade e já começou a queimar tudo. Conseguimos salvar algumas casas, jogando água nas palhas, mas uma delas foi totalmente perdida. Queimou o bananal, as verduras, frutas, não tem nada, acabou com tudo. Os próprios indígenas que tiveram que apagar. Quando começa o fogo não dá pra pensar na fome, só jogamos algo nas casas e fomos embora, porque em primeiro lugar está nossa vida”, conta a cacica Rosiania Kanela Pryj, da Aldeia Bom Jesus, na TI Kanela do Araguaia.
Na TI São Marcos, também foi perdida grande parte da plantação de arroz. “Uma parte já tinha sido colhida antes do incêndio, mas o restante foi destruído. Agora precisamos de sacas para poder colher, porque ainda tem arroz na roça de toco. Também já estamos começando a replantar, fazendo novas roças, mas falta a plantadeira de arroz, aquela manual para roça de toco”, detalha Tsiwepsudu.
Vídeos e fotos mostram a situação em que várias dessas aldeias estão vivendo. Em algumas imagens, como na Aldeia Formoso ou na Aldeia São Marcos, é possível ver crianças correndo, desesperadas, com medo do fogo. Algumas delas tentam, inclusive, apagar as chamas com baldes de água.
“A gente se coloca em risco e temos medo de acontecer uma tragédia. Já aconteceu lá na TI Capoto Jarina, com a morte de um brigadista. A gente tem muito medo em relação a isso, as crianças, a gente vê nos vídeos, elas correndo, tentando pegar um baldinho, olhando as casas para que as casas não peguem fogo, ou então tentando salvar as roças. Estamos em momento, assim, que está num auge”, lamenta Eliane Xunakalo, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt).
O fogo está atingindo principalmente as casas dentro das aldeias, e ao redor das aldeias estão sendo atingidos as nascentes de rios, lagos, vegetação, animais, roçados e prejudicando a rede de abastecimento de água. Para a cacica Rosiania, este ano a situação está mais crítica que do ao anterior.
“Várias aldeias estão sendo prejudicadas. Nossa, situação muito crítica. É onde a gente vive, é uma casa simples, casa de palha, mas é nosso suor. Não é fácil construir para o fogo queimar. No ano passado teve fogo, mas não chegou igual dessa vez, não chegou nas casas. Está assustador” diz.
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O cacique Akrumare Kanela, da Aldeia Pukanu, também no Araguaia, conta que há cinco dias a terra pega fogo, assustando os 210 moradores. Os próprios indígenas precisam fazer o trabalho de brigadistas. “Conseguimos apagar uma parte e estamos fazendo o aceiro em outras para o fogo não propagar e não chegar nas casas. A preocupação é grande, tem muitas crianças, também vemos os animais sofrerem”, relata.
Campanha de doação
A Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) começou uma campanha para arrecadar donativos para a reparação de vários danos causados: água; itens de alimentação; pá carregadeira; caminhão pipa, e outros materiais.
“Estamos primeiro atendendo as aldeias que tiveram as casas queimadas, e depois vamos atender as que tiveram os roçados queimados, porque não vai ter alimentação suficiente até que se possa fazer uma nova roça, já que ainda não está na época. E tem também as ferramentas, sementes”, esclarece Eliane.
Falta de brigadas
Os caciques, assim como a presidente da Fepoimt, criticam a falta de planejamento para combater o problema. “Todo ano a gente já sabe o que vai acontecer. É igual você ter uma casa e você deixar ela aberta para o ladrão entrar. Estamos fazendo isso. Está na hora de pararmos, porque são vidas que estão perecendo. Precisamos, por fim, entender e ter essa responsabilidade com todos os biomas, pois são eles que nos dão estrutura para vivermos. É de lá que vem água, é de lá que vem alimento, que se mantém a economia. Ver a destruição é muito doloroso”, lamenta.
Mais de seis mil focos de incêndios foram registrados em Territórios Indígenas no último mês em Mato Grosso. O número revela um aumento de 850% em relação ao mesmo período do ano passado.