Jornal A Gazeta
Estado com terceiro maior número de empreendimentos hidrelétricos no país, Mato Grosso tem atualmente 142 em operação, 15 em construção e pelo menos oito já inventariados em estudo. O alto número desses empreendimentos e onde são construídos têm se tornado uma preocupação no Pantanal, pela possível alteração da dinâmica hídrica na região. Segundo pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a redução dos alagamentos no bioma, que pode ser um efeito dessas usinas, poderá causar uma maior propagação dos incêndios.
“Para os próprios licenciamentos, há uma normatização da vazão da água, para ter um efeito menos negativo nos rios, que não leve a alterações no montante dele. No Pantanal, esse fluxo não pode se normatizar esse fluxo, pois isso reduz o nível de alagamento e afeta o que conhecemos do bioma hoje. O fogo não acontece em local molhado, com vegetação verde, sim em vegetação seca. Ao diminuir a umidade desses ambientes, existe a possibilidade de você ter um espalhamento do fogo, em especial com uma maior ocupação humana dentro desse processo, pois é fato: onde há mais gente, há mais fonte de fogo”, alerta Christian Niel Berlinck, pesquisador da Ecologia do Fogo e Conservação de Fauna do ICMBio, que completa dizendo isso pode levar a expormos ao risco de fogo ambientes que antes não queimavam.
Segundo o Sistema de Informações de Geração (SIGA) da ANEEL, em Mato Grosso há em operação 70 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), de pequeno porte com capacidade instalada entre 5 e 30 megawatts, 12 Usinas Hidrelétricas (UHE) e 60 Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), que são ainda menores que as PCHs, com potencial menor que 5 megawatts. Há quatro PCHs e uma UHE em construção, além de dez usinas que começarão a ser construídas em breve.
Annie Souza/Rdnews
Christian Niel Berlinck, pesquisador da Ecologia do Fogo e Conservação de Fauna, demonstra preocupação com impacto de empreendimentos hidrelétricos
Há ainda em estudo quatro usinas hidrelétricas na Bacia do Tapajós, uma na bacia do Xingu, uma na do Paraguai, uma na Bacia Madeira, que passa pela TI Sararé, e uma no Rio Sucuriú.
“Quando falamos em PCHs, há muitas solicitações ainda em processo de estudo e planejamento. A fase de discussão e licenciamento é feita pontualmente e não há nada que oriente a ser cumulativo. Nós, enquanto sociedade, temos que mudar nossa postura para ter representantes que também tragam essa ideia para discussão em uma perspectiva mais sustentável”, defende o biólogo Fernando Torquato.
SOS Pantanal
Segundo o pesquisador Christian, há essa preocupação com a alteração da dinâmica hídrica, principalmente, nas PCHs da Bacia do Paraguai, que está em um dos seus menores níveis de água dos últimos anos.
“Entendemos que essas usinas vêm trazendo alteração nas dinâmicas, tanto as PCHS, quanto as hidrelétricas maiores, como a Usina de Manso. Ainda não temos um parecer sobre o real impacto dessas PCHs, pois eles são estudados de formas isoladas. Mas isso vem sendo rediscutido com a Secretaria Executiva do Ministério Público do Meio Ambiente”, completa.
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Hidrelétrica no lago do Manso
A Bacia do Paraguai teve declarada Situação Crítica de Escassez dos Recursos Hídricos pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) após registrar o pior índice histórico do nível de água. Segundo monitoramento do Serviço Geológico do Brasil (SGB), o Pantanal mato-grossense pode ter uma das secas mais graves da história.
“Temos que encarar o Pantanal como um todo, por isso, qualquer ação precisa ser integrada a todas essas PCHs. Qualquer intervenção que for ocorrendo na paisagem do Pantanal, ela pode afetar o regime hídrico e, por consequência, resultar numa maior incidência de incêndio. Se olharmos na base de dados, por exemplo, no site da Nasa, é perturbador ver que em abril, após várias semanas de chuvas, há incêndios no coração do Pantanal, no local que deveria ter maior concentração de água”, pontua Torquato.
Segundo o biólogo, é preciso rediscutir os impactos de empreendimentos como hidrelétricas ou hidrovias nas bacias de Mato Grosso.
“Não devemos pensar no antagonismo de preservação versus desenvolvimento, não é isso. É uma questão de lógica. Estamos botando em jogo toda a preservação de um bioma que é patrimônio nacional”, afirma.
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PCH Salto Jauru, entre Jauru e Indiavaí, é um dos empreendimentos hidrelétricos de Mato Grosso