Rodinei Crescêncio/Rdnews
Uma mulher, identificada como Maria Ivanilda Chagas, de 39 anos, foi assassinada com golpes de faca pelo ex-marido, Antonio Alves Bezerra Chagas, de 54 anos, no bairro Jardim Vitória, em Cuiabá, no ano de 2021. Ela foi encontrada pela filha, já sem vida, depois de ir até a casa do ex-companheiro, que tinha histórico de violência contra a vítima. Após o homicídio, Antônio se matou.
Nos primeiros dias de 2024, Francisca Alves do Nascimento, de 35 anos, foi morta com várias facadas pelo ex-marido Marcelo Ochoa de Freitas, de 46 anos, em Lucas do Rio Verde. Ela também vivia um ciclo de violência e, mesmo com vários episódios, mantinha relação próxima com o sujeito, que alegou ciúmes e tentou culpá-la pelo fim trágico da história.
Embora os casos tenham cerca de quatro anos de diferença, possuem um ponto em comum: a permanência da vítima dentro de um ciclo de violência doméstica. Nos dois casos, as mulheres foram submetidas à uma série de abusos psicológicos e não encontraram saída para se livrar de uma relação violenta. Essa falta de perspectiva de libertação de uma relação abusiva, por vezes, é reforçada pela educação patriarcal e machista, que ensina à sociedade que mulheres são inferiores e devem ser submissas.
Ao analisar o histórico de feminicídios em Mato Grosso, a delegada titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher de Cuiabá, Judá Marcondes, explica que não é culpa das vítimas, essa construção de um elo de dependência emocional entre as mulheres e os agressores, e sim da formação da sociedade como um todo que ainda reforça a desvalorização das mulheres.
“As mulheres são educadas desde novinhas como sentar; que mulher não briga, não grita, não fala alto. E essa forma de educar as mulheres vai refletir em um caminho fertíl para a violência doméstica. Já os homens são estimulados à agressividade e, quando eles praticam a violência, elas acham que têm que ficar caladas e manter o relacionamento. Por isso, temos que educar os nossos filhos, adultos e idosos a se distanciaram desse pensamento que colabora para a desigualdade de gênero”, acredita a delegada.
Rodinei Crescêncio/Rdnews
Segundo Judá Marcondes, a educação das mulheres é baseada somente em manter um relacionamento, como se a sua validação pessoal fosse relacionada com afazeres domésticos e estado civil. “Quando a mulher é criada para ser responsável por manter o relacionamento, manter casa e filhos, ela tenta mentir para si mesma que não está vivendo uma relação de violência para manter o relacionamento a qualquer custo, para se sentir validada enquanto mulher, ela não sai, fica buscando desculpas e facilmente acredita que aquele homem vai mudar”, pondera a titular da Delegacia da Mulher de Cuiabá.
A delegada ainda pontua que, em paralelo ao reforço da submissão das mulheres, os homens são incentivados a mostrar a agressividade como forma de impor masculinidade. “E, culturalmente, ensinam o homem à agressividade, então ensinam aquele homem que ser grosseiro, que agredir, é como se estivesse no papel de ser homem. Então, naturaliza a agressão masculina e submissão feminina”, entende a delegada. Em 2022 foream registrados 47 casos de feminicídios. os números do ano passado ainda não foram divulgados oficialmente, mas também foram expressivos.
A violência naturalizada
“Nós estamos adoecendo, a ponto de estarmos vivendo uma pandemia de violência doméstica”
Judá Marcondes
Diante da normalização dos papéis de gênero, a violência doméstica também é naturalizada. De forma que, as mulheres não conseguem identificar, de imediato, o que seria um relacionamento abusivo e, inclusive, aceitam algumas violências.
“Nós estamos adoecendo, a ponto de estarmos vivendo uma pandemia de violência doméstica, não é há 1 ou dois anos, estamos vivendo há muito tempo uma pandemia de violência doméstica, justamente porque existe o sistema patriarcal que é exatamente prejudicial às mulheres”, enfatiza Judá.
Ainda segundo a delegada, apesar de nocivo, algumas mulheres naturalizam e aderem os pensamentos de submissão para tentar se sentirem validadas. No entanto, quando elas resolveram romper com a violência, precisam enfrentar a fúria do agressor.
“Toda a mulher que decide fugir da lógica de violência sofre violência e enfrenta uma verdadeira luta para sair. Um exemplo: a mulher que aceita um trabalho que precisa chegar tarde, muitos homens agridem essas mulheres, e começam a manipular, acusar essas mulheres de traição, começam a dificultar a vida dessa mulher, impedindo que elas consigam emprego, que tenham autodeterminação. Aquele olhar de objeto, que ela não tem direito de decidir sobre a sua própria vida e eles agridem essa mulher, fisicamente e também de forma invisível como a violência psicológica, reforçando que a obrigação dela é relacionamento”, completa a delegada.
Nortão
De acordo com a delegada, o Norte do estado – nas cidades de Sinop, Sorriso e Lucas do Rio Verde – vem se destacando como região de aumento no número de feminicídios.
“Essa região toda, nós tivemos diversos casos gravíssimos de homens que não aceitaram a decisão da mulher, objetificando o corpo como se elas não tivessem direito de decidir sobre a própria vida. Esse ano de 2024, a Polícia Civil vai estabelecer metas para reprimir o número de mortes desses locais”, finalizou a delegada.