O projeto da Ferrogrão, ferrovia que visa ligar Mato Grosso ao Pará, é uma peça-chave na modernização infraestrutural do Brasil, para fins de escoamento da produção, mas que é prejudicado pelo protecionismo ambiental e de mercado, afirma Marcos Troyjo, economista e ex-presidente do banco dos Brics. Esse protecionismo tem barrado o desenvolvimento, critica o especialista.
Rodinei Crescêncio/Rdnews
Marcos Troyjo, economista e ex-presidente do banco dos Brics, explica que MT e o país está atrás dos concorrêntes internacionais devido à falta de logística
A polêmica em torno da Ferrogrão tem se arrastado desde o ano passado e lideranças indígenas fizeram, inclusive, protestos contra o modal. O último foi no fim de março, quando os povos Munduruku, Kayapó e Panará de Mato Grosso e Pará criticaram os impactos negativos da obra e pediram fim da construção.
“O problema é o nosso protecionismo, nossa dificuldade em lidar com os próprios atores brasileiros, em convencê-los da importância de um projeto como esse. Claro que o Brasil merece críticas ambientais, como a França, Alemanha, Holanda, todo mundo tem a sua parcela de culpa. Mas isso, na minha opinião, não justifica aquele que já deveria ser um acordo comercial que viesse a multiplicar os atuais fluxos de comércio”, critica.
“O Brasil tem hoje menos quilômetros de ferrovia de carga em operação do que os Estados Unidos tinham no final da Guerra Civil”
Revela Marcos Troyjo, economista e ex-presidente do banco dos Brics
Com custo estimado de R$ 21 bilhões e concessão de uso por 60 anos, Troyjo defende que a ferrovia pode ser um importante atrativo de investimentos. “Um projeto como a Ferrogrão atrairia o interesse de muitas instituições, além de bancos multilaterais de desenvolvimento, como fundos soberanos, bancos de crédito privado, de investimentos privados também. Para quem é grande consumidor de bens alimentícios, como é o caso de países do sudeste asiático, faria todo o sentido ajudar na sua segurança alimentar, construindo uma conexão ferroviária ou multimodal entre o Atlântico e o Pacífico da América do Sul”, afirma.
O economista, que também é ex-Secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia do Brasil no governo Bolsonaro, afirma que não só Mato Grosso, como todo o país, está muito atrás dos concorrentes internacionais por causa de seu déficit ferroviário.
“O Brasil tem hoje menos quilômetros de ferrovia de carga em operação do que os Estados Unidos tinham no final da Guerra Civil. Hoje na China há mais quilômetros de conexão ferroviária de alta velocidade do que em todos os países do mundo juntos. Esse foi o investimento infraestrutural que alguns países fizeram e que nós não fizemos. Mas o fato é que, tradicionalmente, nós tivemos uma parcela muito pequena do nosso Produto Interno Bruto (PIB) indo para um investimento em infraestrutura. Isso explica nossa baixa produtividade”, analisa.
Secom-MT
Protecionismo
Incluída no plano de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Lula, a EF-170 têm sua viabilidade econômica e logística contestada por especialistas e é criticada por ambientalistas pelos riscos socioambientais. Em março deste ano, o cacique Raoni Metuktire pediu ao presidente Lula (PT) que o projeto da Ferrogrão não seja aprovado.
A solicitação aconteceu após encontro da liderança indígena com o presidente da França, Emmanuel Macron, que estava em visita ao Brasil. O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União) defende a construção da ferrovia e afirma que indígenas estão sendo usados pela França para barrar o desenvolvimento e competitividade do agronegócio mato-grossense e brasileiro, além de criticar o fato de outros países “se meterem” nas decisões econômicas e ambientais do Brasil.
Marcos Toyjo reforça o prejuízo do protecionismo ambiental e de mercado imposto por outros países, e que isso impacta no Brasil.
“A União Europeia tem 450 milhões de habitantes, é um grande mercado consumidor. Se os europeus tratassem o seu mercado interno com menos protecionismo, isso representaria um grande salto nas exportações brasileiras de alimentos. A Índia ultrapassou no ano passado a China como o país mais populoso do mundo. Comércio Brasil-China hoje é mais ou menos 130 bilhões de dólares. Comércio Brasil-India é 11 bilhões. Porque os indianos são muito protecionistas do ponto de vista do seu comércio de alimentos, do seu comércio agrícola”, cita.
Para Troyjo, esse protecionismo de fora impacta na economia brasileira e nas exportações e é resultado das pressões políticas internas dos países europeus. “Empresas industriais, bancos, conglomerados de supermercados franceses não são protecionistas, querem o Acordo do Mercosul-Europeu, querem mais abertura. Agricultores franceses, ecologistas. uma parte da imprensa e da inteligência francesa, políticos oportunistas, são contra. Então dependendo do momento esse segundo elemento é mais forte do que o primeiro e a Europa se fecha. Dependendo do momento o primeiro elemento é mais forte que o segundo, a Europa se abre”, argumenta.
Dessa forma, projetos que têm repercussão mundial como a Ferrogrão, acabam sendo impactados pelas condições geopolíticas. O economista afirma, no entanto, que no caso da Ferrogrão, o protecionismo interno tem se somado ao do mercado estrangeiro e tentado tirar o avanço de cena. “O projeto Ferrogrão tinha tudo muito bem desenhado, e agora me parece que o atual governo tirou um pouco a ênfase nele”, opina.