Ex-diretor da IFI vê bloqueio de R$ 15 bilhões no Orçamento insuficiente e novos cortes 'em etapas'


Segundo Felipe Salto, esta primeira etapa dos cortes, anunciada por Haddad, deve ser seguida por novos bloqueios, caso o governo não consiga reverter o cenário de queda na arrecadação. O ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) e economista chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, defendeu que o bloqueio de R$ 15 bilhões no Orçamento de 2024, anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve ser insuficiente para garantir um alívio no cenário fiscal do governo.
Segundo o economista, o mercado previa cortes semelhantes ao anunciado por Haddad, mas esses bloqueios podem “vir em etapas”, de acordo com um ponto fundamental: a dinâmica da arrecadação. Caso as receitas do governo não retornem à previsão, novos cortes devem ser anunciados.
“Se o governo, que vai provavelmente revisar a projeção de receita para algo como 9,4% — pela nossa conta, a partir do que o ministro falou ontem —, conseguir essa arrecadação mais alta, ele evita um corte mais robusto. Se ele não conseguir e a gente crescer por volta de 8 ou 8,5%, ai vai precisar de um contingenciamento maior”, projetou Salto em entrevista à GloboNews, nesta sexta-feira (19).
Em Ponto entrevista: Felipe Salto
Nessa quinta (18), Haddad anunciou que o governo vai promover um bloqueio de R$ 11,2 bilhões no Orçamento de 2024. Além do contingenciamento de outros R$ 3,8 bilhões. A medida tem como objetivo garantir o cumprimento da regra de gastos prevista no arcabouço fiscal.
De maneira geral, o arcabouço determina que as despesas só podem crescer em certa proporção de acordo com as receitas. Com a queda na arrecadação prevista, o governo precisou fazer um “pente fino” e buscar oportunidades para cortes, apesar de resistência do presidente Lula.
Bloqueio e contingenciamento representam mecanismos diferentes. O primeiro se refere a valores no orçamento que têm que ser bloqueados para o governo manter a meta de gastos do arcabouço fiscal.
Já o contingenciamento é uma contenção feita em razão de a receita do governo estar vindo abaixo do esperado. Ao contrário do bloqueio, ele é mais fácil de ser revertido ao longo do ano, caso a arrecadação volte às previsões.
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Esses cortes são feitos em verbas dos ministérios usadas para investimentos (as chamadas verbas discricionárias, ou seja, que não são obrigatórias, como salários de servidores). O governo ainda vai detalhar quais ministérios e projetos sofrerão os cortes.
Além das medidas a serem aplicadas ainda neste ano, o titular da Fazenda também anunciou que o governo fará cortes da ordem de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias previstas para o Orçamento de 2025.
Lula e Haddad durante o lançamento do Plano Safra 2024/2025 da Agricultura Familiar em 3 de julho de 2024
WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
Desconfiança do mercado
O governo apresenta, bimestralmente, um relatório de despesas e receitas. O último foi apresentado em maio, e o próximo está previsto para ser publicado na segunda-feira (22).
Nesse relatório, o governo indica um número para receita líquida (a arrecadação que importa para fins de cumprimento da meta fiscal), que é um crescimento projetado para 2024. Em maio, o índice era de 10,5% acima da inflação.
“Esse número não deve se concretizar, entre outras razões, pela questão do CARF [a retomada do voto de qualidade no Carf aprovada em 2023] e outras. Por outro lado, o número que tínhamos no mercado era um crescimento real em torno de 7%. Nós revisamos esse número recentemente para 8,2%. Então, ficamos um pouco mais otimistas em relação ao que vai acontecer com a arrecadação este ano”, afirmou Salto.
Pelas regras, junto a esse relatório, o governo tem que anunciar bloqueios, caso a meta fiscal não esteja sendo cumprida.
“Ao mesmo tempo, o ministro Haddad e o presidente Lula sinalizaram há alguns dias aquele compromisso com o arcabouço fiscal, e agora veio a primeira etapa do corte. É muito difícil esperar que venha um corte gigantesco de uma vez, porque ele assusta ne? O Congresso dá um pulo dessa altura, aí você não consegue realizar o condicionamento”, pondera.
Na visão do especialista, o corte de R$ 15 bilhões veio dentro da média esperada pelo mercado, mas a arrecadação é o principal fator que deve condicionar a necessidade de novos bloqueios.
“Se o governo conseguir essa arrecadação mais alta, ele evita um corte mais robusto. Se ele não conseguir aí vai precisar de um contingenciamento maior, como eu havia dito”, seguiu.
Queda nas receitas
No início do ano, o governo anunciou que uma das principais metas para 2024 era implementar medidas que elevassem a arrecadação em R$ 168 bilhões. O objetivo é alcançar a meta de déficit zero nas contas do governo.
A obtenção do equilíbrio nas contas, porém, não conta com a crença do mercado. A falta de confiança dos analistas está ligada justamente à percepção das dificuldades da equipe econômica na obtenção de receitas extraordinárias.
O presidente Lula também deu declarações que aumentaram a inquietação dos agentes financeiros. Em discursos durante um giro pelos estados nos últimos meses, o petista garantiu que vai priorizar as políticas sociais do governo, e demonstrou resistência a dar o aval para contingenciamentos.
Para o anúncio desta quinta, porém, a necessidade de cortes já estava pacificada com o chefe do Planalto, segundo relatou a ministra do Planejamento, Simone Tebet. Ela disse que foi “fácil” convencê-lo a bloquear os R$ 15 bilhões.
As críticas de Lula ao Banco Central e ao presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, também repercutiram mal no mercado. Em diversas ocasiões, o petista insistiu em colocar em dúvida as decisões do Comitê de Política Monetária sobre a taxa de juros, e chegou a chamar Campos Neto de adversário, com agendas políticas avessas aos interesses do país.
Arcabouço fiscal
O déficit zero buscado pela área econômica está em linha com o chamado arcabouço fiscal, ou seja, a nova regra para as contas públicas aprovada pelo Congresso Nacional. O dispositivo prevê um saldo negativo de 0,25% do PIB em 2024 para as contas do governo, e um superávit da mesma magnitude.
Se essa meta fiscal não for atingida, com essa banda proposta, os gastos terão de crescer menos (50% do aumento real da receita, em vez de 70%) nos próximos anos. A alta real de gastos, ainda segundo a nova regra para as contas públicas, ficará entre 0,6% e 2,5% ao ano.

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