Ministro russo das Relações Exteriores escolheu começar o giro pela América Latina por Brasília, embora a nossa relação com Moscou não seja a mesma de Cuba, Venezuela e Nicarágua
Quando Sergey Lavrov agendou o giro pelos países governados pela esquerda na América Latina, o homem que comanda a política externa da Rússia sabia que não sofreria críticas dos presidentes cubano, venezuelano e nicaraguense. Os três seguem alinhados a Moscou, repetindo uma cartilha adotada por Fidel Castro, em 1959, reavivada pelo chavismo nos anos 2000, passando pela revolução sandinista de 1979. Os riscos de desconforto ao chanceler russo poderiam estar no Brasil, caso Lula ecoasse o discurso dos Estados Unidos e da União Europeia. O Kremlin se sentiu aliviado ao ouvir a repercussão das frases do chefe de Estado brasileiro na visita à China. Para o Palácio do Planalto, o Ocidente tem culpa no cartório quando o assunto é a guerra na Ucrânia. Para o país invadido, trata-se de um governo relevante internacionalmente que não abraça sua causa. Para o país invasor, ganho de capital político. No entanto, as críticas que faltaram a Lavrov sobraram para Lula.
“O posicionamento [do Brasil] dá uma visão de a Rússia ser superior. Lula iguala o agressor ao agredido. E não são iguais. Jamais podemos colocar o agressor e o agredido juntos.” A avaliação é do economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena. Ele ainda conecta as declarações do presidente brasileiro sobre a guerra à posição do governo a respeito da política chinesa com relação a Taiwan, quando esteve em Pequim. “Lula se alinhou ao discurso de ‘Uma só China’. Não foi um discurso considerando a posição de Taiwan”, completa o entrevistado. E, de novo, o Palácio do Planalto de descola da cartilha dos Estados Unidos e boa parte das potências europeias.
No entanto, há quem aposte que a posição de Lula — na contramão da Casa Branca — seja uma “cartada”. “O retorno do Brasil ao tabuleiro geopolítico com o reavivamento dos Brics e a sua posição distinta em relação à guerra seria a grande prova de que a visão de União Europeia e Estados Unidos sobre a invasão à Ucrânia não é unanimidade… O Brasil se apresenta como um ator internacional que rompe com uma narrativa maniqueísta, o que em última instância enfraquece a posição ocidental”, opina a professora Carolina Silva Pedroso, do departamento de Relações Internacionais da Unifesp.
Desagradar aos Estados Unidos e à União Europeia rendeu duas notas de desagravo. Nada mais, por enquanto. Se, por sua vez, as declarações recentes de Lula desmontam o histórico diplomático brasileiro de não tomar partido em disputas emolduradas por um conflito armado; por outro lado, podem ser lidas como uma artimanha igual à usada por Getúlio Vargas. Na década de 1930, a Alemanha Nazista e os Estados Unidos travavam uma queda de braço pela influência em regiões que ainda não tinham escolhido um dos lados. A América Latina estava nesta lista, em especial o fértil Cone Sul. O então presidente Vargas, primeiro, conseguiu trocar insumos agrícolas por produtos industrializados e equipamento militar com os alemães. Os americanos, temendo perder terreno geopolítico, abriram a carteira. Mesmo com contenções devido à guerra, que começou no final daquela mesma década, Washington alavancou a indústria de transformação brasileira. Vargas atirou para um lado e acertou o outro.
Estudando a História, buscamos identificar os ciclos. “O Brasil se alinha ao bloco sino-russo. É uma mudança de paradigma. Brasil, historicamente falando, não se posiciona em conflitos. Seria erra uma estratégia igual a de Vargas”, provoca o economista Igor Lucena. Ele lembra que está travada a negociação Mercosul-União Europeia, principalmente por causa da resistência dos europeus. Quem já jogou pôquer sabe: às vezes o blefe muda as apostas.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.