Iniciativa poderá beneficiar 20 empresas que terão contratos vencidos até 2031, entre as quais a Light. Proposta prevê ‘contrapartidas sociais’ e pode dar início à preparação para abertura do mercado. Consulta pública aberta pelo Ministério de Minas e Energia pode antecipar renovação de contratos.
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O governo abriu na última quinta-feira (22) uma consulta pública para formular diretrizes de renovação dos contratos de distribuição de energia elétrica. Mais de 55 milhões de consumidores podem ser afetados pelas mudanças.
Os resultados, que serão colhidos até 24 de julho, servirão para que o Ministério de Minas e Energia elabore os requisitos para a prorrogação dos termos por mais 30 anos.
A iniciativa beneficiará diretamente 20 distribuidoras espalhadas pelo país que terão os contratos encerrados até 2031, que juntas atendem a 62% do mercado.
Estão nesse grupo empresas como Light, Enel Rio e EDP São Paulo.
As primeiras concessões começam a vencer em 2025, com a EDP do Espírito Santo. A distribuidora já pediu a renovação, mas falta o governo definir as diretrizes para os novos contratos.
Na prática, a renovação é permitida se as empresas obedecerem a dois critérios:
qualidade da prestação de serviços aos consumidores;
e sustentabilidade econômico-financeira — ou seja, devem ter condições econômicas de manter os serviços de distribuição.
Distribuidoras com contratos a vencer
Especialista em direito público, o advogado João Paulo Pessoa afirma que a prorrogação dos contratos já está prevista em lei, mas não havia um direcionamento claro de como seria a renovação.
Em 2015, uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) determinou ao governo a criação de diretrizes mais claras com antecedência.
“É por isso que está sendo colocada em consulta essa nota técnica, que vai ser uma primeira diretriz orientativa dessas prorrogações, cabendo à Aneel elaborar os documentos”, disse Pessoa.
Contrapartidas sociais
Para renovar os contratos, as empresas devem fazer investimentos em eficiência energética e na modernização das redes de distribuição. São investimentos em:
maior eficiência no consumo de energia em prédios públicos;
maior eficiência em áreas com níveis altos de “perdas não técnicas” — furtos e fraudes no sistema de energia, os chamados “gatos”;
medidas para o desenvolvimento econômico e social de populações carentes;
modernização dos sistemas de medição do consumo de energia;
instalação de painéis solares para reduzir o custo com energia em comunidades sujeitas à insegurança hídrica, que usam energia para operação de cisternas e poços artesianos.
Segundo as diretrizes publicadas, as distribuidoras terão que apresentar um plano de investimentos para os próximos 5 anos antes de assinar a renovação do contrato.
Para o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, as contrapartidas são uma possibilidade de utilizar melhor os recursos do setor.
A associação sinaliza, no entanto, preocupação com o direcionamento de recursos derivados de benefícios fiscais ao setor.
“Nós entendemos que já existem regramentos que estabelecem como esses recursos devem ser utilizados”, disse.
No processo de renovação, há também a possibilidade de usar um “excedente econômico” das distribuidoras, que deve ser contestado pelas empresas na consulta.
Madureira afirma que não há recursos sobrando. Para ele, os reajustes anuais calculados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já diminuem ganhos eventuais das distribuidoras. Isso também seria feito a cada quatro anos na revisão tarifária, com efeitos sobre a conta de luz.
Concessão da Light
Em recuperação judicial, a Light tem a intenção de fazer a renovação antecipada do seu contrato. Isso daria garantias aos seus credores de que a empresa teria uma fonte de receita nos próximos anos para quitar as dívidas. A concessão vence em junho de 2026.
Especialistas consultados pelo g1 afirmam que a proposta do governo traz a previsão de renovação antecipada das concessões, mas não endereça dificuldades específicas da concessão.
“De fato, numa visão preliminar, se há concessões que não estão performando, essa baixa performance pode ter relação tanto com o concessionário, mas também com a concessão, problemas intrínsecos à concessão”, afirmou a consultora Angela Gomes.
Para a especialista, seria importante que o critério econômico-financeiro considerasse as questões específicas da concessão.
A Light, por exemplo, relata problemas com os chamados “gatos” e dificuldades para atuar em áreas dominadas pelo tráfico e milícias no Rio de Janeiro.
O documento em consulta diz que as empresas podem pedir a renovação antes mesmo dos 36 meses previstos na regulação e que o novo contrato celebrado passaria a valer a partir da data de vencimento da concessão.
Segundo o presidente da Abradee, Marcos Madureira, a nota não entra em muitos detalhes. “Mas, se há possibilidade de fazer o pedido [com antecedência] e esse contrato pode ser efetuado até lá na frente, a princípio demonstra que estaria sendo possível fazer essa antecipação”, afirmou.
Hoje, há duas alternativas para as distribuidoras com problemas financeiros e que não estejam arcando com as suas obrigações. Os critério foram mantidos nas diretrizes do governo:
o acionista controlador pode fazer um aporte de dinheiro na empresa para arcar com as obrigações e melhorar os indicadores;
ou vender o controle da distribuidora para outra empresa a fim de evitar a extinção do contrato.
Segundo advogado André Edelstein, a venda do controle acionário para evitar que o contrato seja desfeito já está prevista na lei de 1995, que estabelece as normas para concessões, e não é uma novidade da nota técnica.
O diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, tem afirmado que essa não é a situação da Light. A empresa tem arcado com as obrigações do contrato, mas entrou com pedido na Aneel para reequilíbrio da concessão.
Abertura do mercado
Na formulação das diretrizes, o governo também vai preparar o setor para uma futura abertura do mercado de energia a todos os consumidores. No texto, ministério trata a abertura como “inevitável”.
Hoje, só grandes consumidores industriais e comerciais podem comprar energia de qualquer comercializador no mercado. Há no Congresso uma proposta para abrir esse mercado a todos os consumidores, inclusive residenciais e rurais.
Uma das diretrizes para os novos contratos é a separação, nas contas da distribuidora, dos serviços prestados –venda da energia e manutenção da rede de distribuição.
Outro ponto é a digitalização dos serviços. O governo prevê a prestação de serviços como informação em tempo real sobre o consumo de energia, por exemplo.
“Vivemos num mundo digital. Não vamos concluir a transição energética sem tratar desse tema e nós não estamos tratando do tema da digitalização da forma adequada no Brasil, até o momento”, afirmou o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Rodrigo Ferreira.
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