O conservadorismo e a oposição desunida seriam apenas alguns dos motivos para o resultado das eleições paraguaias mais recentes, que tiveram um resultado diferente do visto em outros países da região. Santiago Penã será o presidente do Paraguai pelos próximos 5 anos
No domingo passado (30), a maioria do eleitorado paraguaio voltou a optar por um candidato à presidência do tradicional Partido Colorado, fundado no século 19, logo após a Guerra do Paraguai (1864-1870) e que está no poder, de forma quase ininterrupta, há quase 80 anos, desde 1946.
Definido como “partido conservador de direita”, o Partido Colorado foi a base fundamental para a eleição do ex-ministro da Fazenda, o economista Santiago Peña, de 44 anos, que recebeu 42,7% dos votos e tomará posse no dia 15 de agosto.
O segundo colocado, Efraín Alegre, da coalizão opositora Concertación Nacional, teve 27,4% da votação.
Alegre questionou o resultado e foram registrados protestos nas ruas de apoiadores do terceiro colocado na disputa, Paraguayo Cubas, conhecido como “Payo Cubas”, de extrema-direita, que recebeu 23% dos votos.
Analistas disseram que a distância de cerca de 15% na votação entre o candidato do Partido Colorado e o segundo colocado dificultaria os questionamentos opositores.
Mas por que a vitória de Santiago Peña é exceção entre as chamadas “ondas de esquerda” ou de “centro-esquerda” na América Latina? Analistas ouvidos pela BBC News Brasil disseram que o eleitor paraguaio possui o perfil predominantemente conservador.
Trabalhadores levam equipamentos para as eleições no Paraguai, em 28 de abril de 2023
Norberto Duarte/AFP
“As mudanças são difíceis para o paraguaio”, disse Esteban Caballero, professor da Flacso, falando de Assunção.
Na sua visão, o Paraguai é um país conservador. “Ao contrário do Chile, do Brasil, da Colômbia, de Honduras, não houve alternância e muito menos, digamos, uma guinada à esquerda. Em 2017, 2018, houve uma guinada (regional) à direita e agora dizem que existe uma guinada à esquerda. Mas não foi o caso do Paraguai. Não é o caso do Paraguai”, disse.
Uma oposição “desunida”, na opinião do sociólogo paraguaio José Carlos Rodríguez, acabou contribuindo para a nova vitória dos “Colorados”, como são chamados os que integram o Partido Colorado.
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“No Brasil, Lula reuniu vários setores, até adversários políticos, e assim venceu Bolsonaro. Aqui no Paraguai não foi assim. Se Paraguayo Cubas estivesse na Concertación (liderada por Efraín Alegre), a oposição teria vencido. Agora, o resultado de domingo, por mais que existam queixas, é inquestionável”, disse Rodríguez.
Nos últimos anos, a Bolívia elegeu o presidente Luis Arce (2020), os chilenos elegeram o presidente Gabriel Boric (2021), os peruanos elegeram Pedro Castillo (que assumiu em 2021 e não concluiu o mandato) e a Colômbia elegeu Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda do país, no ano passado. No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu vitorioso na eleição com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas o conservadorismo e a oposição “desunida” seriam apenas alguns dos motivos para o resultado do domingo, diferente das “ondas regionais”.
O Partido Colorado (Associação Nacional Republicana, ANR) é visto como “enraizado” em muitos setores do país e o fato de o Paraguai definir a eleição em um turno único, sem ter segundo turno, dificulta ainda mais a união da fragmentada oposição em torno de um único candidato.
Santiago Peña logo após votar no Paraguai, em 30 de abril de 2023
Daniel Duarte/AFP
Além da eleição de Santiago Peña, os “Colorados” venceram em 15 dos 17 departamentos (Estados) do país e a maioria das cadeiras na Câmara dos Deputados e no Senado.
‘Unidos e imbatíveis’
“Chegamos a pensar que o Partido Colorado tinha se dividido, nas primárias de dezembro do ano passado, o que facilitaria uma vitória opositora. Mas a legenda conseguiu ficar unida. E quando o Partido Colorado se mantém unido é difícil vencê-los. Somente quando eles racham é que existe possibilidade de que surja um candidato alternativo. Foi o caso de (Fernando) Lugo em 2008”, disse o analista político e professor da Faculdade de Ciências Sociais (Flacso) do Paraguai, Esteban Caballero.
Ex-bispo católico, Lugo governou o país entre 2008 e 2012 e não chegou a concluir o mandato de cinco anos, após um “impeachment express”, como foi chamado pelos apoiadores do ex-presidente, votado no Congresso Nacional.
Imagem de 2016 de Fernando Lugo
AFP
Caballero afirmou que no eleitorado paraguaio, de cerca de 4,8 milhōes de votantes, muitos não são do Partido Colorado. Mas os que votam nos ‘Colorados’ são fiéis ou dependem (financeiramente) da legenda.
“O Paraguai tem cerca de 350 mil empregados públicos. A grande maioria é Colorado. E eles têm familiares. Faça as contas, são mais votos ainda no Colorado. O emprego é precário no país e o que paga melhor é o Estado. Ao mesmo tempo, estão os fornecedores (setor privado) que fazem negócios com o Estado e assim vai se formando um círculo de apoio ao Partido Colorado”, disse Caballero.
Num artigo publicado no jornal “Ultima Hora”, de Assunção, um dia antes da eleição, o analista Alfredo Boccia Paz escreveu que os paraguaios votariam entre o “cansaço e a máquina” do tradicional partido.
“Não é saudável que um partido esteja há sete décadas no poder, à exceção do período de Lugo. No continente, esse fenômeno só é comparado ao Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1930 a 2000”, escreveu Boccia Paz.
O sociólogo Rodríguez lembrou que a trajetória do Partido Colorado incluiu períodos ditatoriais (Alfredo Stroessner) e democráticos.
‘Identidade’
O professor da Flacso notou que existem outros fatores que influenciam este eleitor da legenda, como a identidade.
No Paraguai é comum ouvir a “família Colorada” – aquela leal ao partido. “Se o Partido Colorado colocar um Pato Donald para competir, ele vence entre estas famílias”, disse Boccia Paz.
O resultado da eleição de domingo não foi previsto pelas pesquisas de opinião. As “mais confiáveis” indicavam empate técnico com vantagem para o opositor Efraín Alegre, que liderou a Concertación Nacional, com cerca de 40 legendas.
O Paraguai é um país, principalmente, católico e que “se uniu”, afirmou o professor da Flacso, a um discurso “conservador, pró-família”.
País com cerca de sete milhões de habitantes, este vizinho do Brasil, que não tem mar, tem outra excentricidade, de acordo com os analistas. A presidência do Partido Colorado tem forte influência na gestão do presidente à frente do Palácio presidencial de López.
O economista Santiago Peña, que trabalhou no Banco Central do Paraguai, no Fundo Monetário Internacional (FMI) e tem um mestrado na universidade de Columbia, nos Estados Unidos, de acordo com seu currículo, foi eleito com o apoio decisivo do presidente da legenda, o ex-presidente Horacio Cartes.
Cartes foi acusado, em janeiro deste ano, de “significativamente corrupto” e de “corrupção que destrói as instituições democráticas” pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos.
Cartes, definido como “padrinho político” de Peña, estava ao lado do presidente eleito no palanque, após o resultado, no domingo.
“Só em países como Cuba ou China, a Presidência do partido é politicamente importante. O Partido Colorado ficou com essa ideia de ter o lugar de poder político diante do governo. Isso é muito estranho e raríssimo no mundo de hoje”, disse o professor da Flacso.
‘Guarani’, a moeda, desde 1943 Na visão do sociólogo José Carlos Rodríguez, o Paraguai tem “uma democracia de má qualidade”.
Ele e o analista econômico Fernando Masi, do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (Cadep), afirmam, porém, que os dados econômicos acabam contribuindo para a percepção de estabilidade, que atrai investimentos estrangeiros, apesar de o país manter índices altos de pobreza (cerca de 25%), desigualdade social, sistemas de saúde e de educação definidos como “frágeis” e oportunidades limitadas de empregos, fora do setor público.
“Não existe uma administração desordenada. Mas sim oligarquia, com um populismo dissimulado e desigualdade social extrema”, disse Rodríguez.
Ele lembrou que a moeda paraguaia, o Guarani, data do início dos anos 1940 — outro símbolo que indica que o Paraguai tem uma história “muito própria”, diferente da registrada nos seus vizinhos no continente.
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