O diretor de Ensino, Instrução e Pesquisa da Polícia Militar, coronel Januário Antônio Edwiges Batista, saiu em defesa do modelo das escolas militares adotado em 26 unidades de Mato Grosso.
O Governo do Estado anunciou nesta semana que planeja elevar o número para 50 escolas. O modelo, no entanto, tem recebido fortes críticas do Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso (Sintep).
Januário explicou que o modelo só é adotado por um pedido de diretorias de unidades e clamor social. E apontou que, onde há escolas militares, há uma diminuição na evasão escolar, atos infracionais e ainda uma melhora na nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Se perdeu alguns alunos para o crime organizado. Ali, houve um campo propício para crescimento e aliciamento, e o Sintep fechou os olhos para isso
“Com o fator violência das escolas, se perdeu alguns alunos para o crime organizado. Ali, houve um campo propício para crescimento [do crime] e aliciamento, e o Sintep fechou os olhos para isso. Isso ocasionou a grande evasão das escolas e a necessidade de um modelo diferente”, disse em entrevista ao MidiaNews.
Ainda na entrevista, ele falou sobre sobre a medida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em acabar com o programa do Governo Federal, que incentiva a implantação de escolas militares, e detalhou o modelo adotado no Estado.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiNews – Qual a diferença entre escolas militares e cívico-militares?
Januário Batista – A escola cívico-militar é um programa do Governo Federal, que na sua gênese tem um diretor civil, que vem da rede pública da educação e um diretor militar. Esse militar é das Forças Armadas, não das Forças Auxiliares. Em Mato Grosso, temos uma escola desse modelo em Cáceres, que é dirigida por um coronel do Exército Brasileiro da reserva remunerada.
E temos a escola militar, que é o modelo estadual, é a Escola Tiradentes – que temos 22 da PM – e Dom Pedro II, que são quatro do Corpo de Bombeiro Militar. Nela a gestão administrativa é toda militar. Não existem dois diretores; é um diretor oficial da Polícia Militar e um coordenador disciplinar, que também tem previsão de ser oficial da Polícia Militar, e o corpo de praças que compõe o efetivo da escola.
A função do efetivo militar, além de fazer a parte administrativa, também faz o regimento interno da educação. Claro, respeitando a coordenação pedagógica, que é feita toda pela equipe da Seduc, de professores e técnicos.
A essência militar das escolas, que é disciplina, que é hierarquia, nada mais é do que no mundo civil a ordem, a responsabilidade, o comprometimento e até a disciplina. Essa é a diferença.
MidiaNews – Uma eventual punição aos alunos quem dá é um militar?
MidiaNews
Coronel: “Não existe o caráter punitivo nas escolas militares e eu acredito que também não tenha nas civis”
Januário Batista – Não existe o caráter punitivo nas escolas militares. E eu acredito que também não tenha nas civis. A disciplina, que é tão interpretada como punitiva, não tem esse viés. A disciplina tem o caráter de desenvolvimento de uma liberdade de consciência ordenada.
Ou seja, o aluno para sair da sala de aula, ir ao banheiro, tem que pedir permissão para o professor. O aluno não tem a liberdade que acha que tem por respeito à autoridade do professor. Isso é disciplina.
MidiaNews – Os casos de indisciplina são realmente menores nas escolas militares?
Januário Batista – Sim. Nós vemos no noticiário diariamente, em escolas de modelo convencional, alunos que afrontam professores, saem em sala de aula, xingando e dirigindo palavras ofensivas aos professores, contra os próprios colegas.
Essa ordenança de respeito ao próximo, de respeito mútuo, ao professor em sala de aula é o que caracteriza a disciplina. Eventualmente, ocorrem fatos de alunos que não se adaptam ao funcionamento da escola. Porque, às vezes, os pais querem os filhos na escola militar, mas os adolescentes ou as crianças não querem participar dessa educação.
O problema maior ocorre quando as escolas têm que ser transformadas. Que é aquela unidade que já tem anos de funcionamento, que tem um nome provavelmente de uma pessoa ilustre na educação, no Município, para o Estado, e de repente vira escola militar. Como aconteceu na Escola Presidente Médici. É uma escola tradicional, que tinha capacidade para 2 mil alunos e tinha apenas 400.
MidiaNews – Falta de interesse dos pais e alunos em se matricularem ali?
Januário Batista – Havia uma evasão muito grande. Para esse fenômeno social é complicado darmos um diagnóstico. É preciso ter um estudo técnico ou científico. Ali havia uma insegurança muito grande, com várias ocorrências. O Corpo de Bombeiros assumiu tem dois anos e hoje a escola conta com 1.600 alunos.
Ou seja, ali tem disciplina. A disciplina não é punitiva, ela desenvolve uma consciência. Há um regimento interno, que tem a finalidade de colocar em execução o projeto político pedagógico da escola, que é o que vai acontecer na escola no ano. E lá tem uma parte que fala inclusive da disciplina na escola e tem uma parte que trata sobre essas ordenanças que os alunos devem ser regulados, que é o CDCL.
O CDCL expõe um caso e expõe a recomendação. Nós chamamos os pais, que assinam um termo de responsabilidade sobre a falta do seu filho e o menor se compromete a, no contraturno, ir à escola e fazer uma prática pedagógica.
MidiaNews – Que prática pedagógica é essa?
Januário batista – Se a escola tem um projeto de uma horta e ele tem bom desempenho escolar, no contraturno ele vai apoiar os projetos da escola. Há escola militar, como Juína, que têm um time de gamers. Há escola militar que tem horta comunitária, banda de música, futsal, de judô, de jiu-jitsu.
Já aconteceram fatos que são considerados atos infracionais? Já. Dentro da escola? Sim. Um ou outro caso em comparação com o universo da escola convencional. A porcentagem é bem insignificante.
Mas nesses casos, inclusive que se não for dentro da escola, o aluno que é pego fazendo um ato infracional fora da escola é acionado o Conselho Tutelar e lavrado o ato infracional. Em ocorrendo um ato infracional grave, recomenda-se a transferência para a regional de Educação, que vai analisar esse caso.
MidiaNews – Há mesmo diferença na nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em escolas militares na comparação com as outras?
MidiaNews
“Nas escolas militares o professor tem uma tranquilidade e garantia que vai entrar em sala de aula para ensinar”
Januário Batista – A melhor forma de mensurarmos o desempenho das escolas militares é o Ideb. Nós percebemos, na prática, que nas escolas militares o professor tem uma tranquilidade e garantia que vai entrar em sala de aula para ensinar.
Ele não vai ser ameaçado, não vai ter nenhum tipo de problema em chamar a atenção de um aluno, [ou risco de] de repente esse aluno possa se declarar faccionado e intimidar o professor. O professor está desprovido dessa preocupação. Entra para ensinar, para a arte da pedagogia, que é o diferencial.
Quando nós pegamos os resultados do Ideb, vemos que entre as 10 primeiras do Estado, sete são escolas militares. Significa que estamos no caminho correto.
MidiaNews – O governador Mauro Mendes anunciou que vai mandar um projeto de lei à Assembleia para criar novas unidades de escolas militares. A intenção, segundo ele, é chegar a 50 do modelo em Mato Grosso.
Januário Batista – A Secretaria de Educação tem um setor, uma gerência de micro regionalização que analisa as áreas de desenvolvimento desde o Ideb, crescimento demográfico, e vai posicionando a rede pública para atender. E nós nos encaixamos nesse planejamento deles, na regra comum.
E existe uma força-tarefa muito grande entre a Seduc e a Polícia Militar para a gente alinhar os desejos do Governo do Estado, porque sabemos que eles resultam positivamente no desempenho final dos indicadores do estado. Então é um “up” muito grande. Os índices da educação de Mato Grosso estavam muito mal colocados e hoje a gente está no patamar do primeiro terço final das unidades federativas.
MidiaNews – Paralelo a isso, há um crítica do Sintep (Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público) dizendo que os alunos indisciplinados são expulsos e enviados para escolas regulares, ou seja, a bomba da indisciplina acaba caindo nas mãos dos professores da rede tradicional. É isso que acontece?
Januário Batista – Nós temos que analisar de outra forma. As escolas militares têm disciplina e respeito e muito por conta da presença ativa da Polícia Militar. Até porque é um ambiente onde a cultura de violência não prospera.
Temos que entender que os alunos da rede pública de Educação não começaram nas escolas militares. Temos que entender que a sociedade é líquida. Ela está em constante evolução. E isso imprime uma necessidade de acompanhamento, de maturidade pedagógica, que acompanhe tudo isso.
E o que nós narramos aqui, da evasão escolar do Colégio Presidente Médici, não aconteceu de um ano para o outro. Foi um processo. O Sintep não se preocupou com a qualidade de vida e a segurança dos seus professores. A Polícia Militar não é parceira só nas escolas militares.
MidiaNews
“A sociedade é líquida. Ela está em constante evolução”
Eu comandei o 4º Batalhão durante seis anos em Várzea Grande. Quando cheguei lá, não existia nenhuma escola militar e nós já tínhamos um programa chamado Guardião Escolar, onde as escolas que apresentavam as demandas para a Polícia Militar, fazíamos palestras, [com temas] como as consequências do adolescente que se envolve com entorpecentes.
Nós temos a Rede Cidadã, que era o programa da Polícia Militar, que hoje está na Secretaria de Segurança Pública, que também visita as escolas. Então, a Polícia Militar é sempre presente.
Então, com o fator violência nas escolas, perdeu-se alguns alunos para o crime organizado. Ali houve um campo propício para crescimento e aliciamento [pelo crime], e o Sintep fechou os olhos para isso. Isso ocasionou a grande evasão das escolas e a necessidade de um modelo diferente.
Isso não significa que estamos nos tornando puritanos no sentido de selecionar os melhores alunos para as nossas escolas. De forma alguma. Tanto é que, como eu narrei, temos problemas com alguns, mas por meio de programas conseguimos mitigar o conflito social. Fazemos acompanhamento dos alunos visitando as suas residências.
MidiaNews – É uma crítica ao sistema que o Sintep defende, então?
Januário Batista – Como o Sintep está reestruturando as outras escolas? Qual respaldo eles dão para os seus educadores e professores para que não sofram esse tipo de afronta? É um problema muito mais sério.
Ou seja, não pode ser tachado como um modelo restritivo. Pelo contrário, nosso modelo é inclusivo. Temos crianças especiais nas escolas, não tem diferenciação nenhuma, e a diferença é que fazemos um [processo] seletivo, com o objetivo de criar uma uniformidade para todos aqueles que entram na escola.
E o que nós temos na verdade é que muitos estudantes da rede particular estão migrando para esse modelo. Por quê? Porque é um modelo de qualidade que o Estado oferece.
MidiaNews – O senhor acha que esse modelo militar caberia em 100% das escolas de Mato Grosso?
Januário Batista – Não. Por mais que essas unidades tenham um bom desempenho, a Polícia Militar não teria capacidade de municiá-las com corpo pessoal. Não conseguiríamos um quantitativo de voluntários. E além do PM voluntário, temos a exigência de que o profissional deve ter perfil para trabalhar na área educacional.
Além disso, nós vivemos numa sociedade multicultural. Se a gente transfere para todos os valores da nossa vida castrense, a gente perde o objetivo dessa sociedade multicultural, dessa diversidade.
MidiaNews – Mas defende mais escolas militares?
Januário Batista – A Polícia Militar é uma polícia de Estado que executa a sua missão de forma a respaldar as ações do Governo. Então, se o governador entende que esse programa deve ser expandido, estamos aqui para dar suporte.
MidiaNews – Pode nos adiantar onde seriam essas unidades?
A Escola Nilo Póvoas, que está no centro de Cuiabá e em reforma, se tornará uma escola militar
Januário Batista – Diariamente chega pedido para gente dos municípios solicitando novas escolas. Na Baixada Cuiabana, ventila-se a possibilidade de abertura de três escolas: mais uma em Varzea Grande e duas em Cuiabá.
O que consigo te dizer é que Escola Nilo Póvoas, que está no centro de Cuiabá e em reforma, se tornará uma escola militar. Hoje, fala-se de uma capacidade na Nilo Póvoas para 2 mil alunos.
MidiaNews – Como o senhor responde às críticas segundo as quais lugar de PM não é dentro de escolas e sim caçando bandido nas ruas?
Januário Batista – É importante frisar que a Polícia Militar não caça bandido. Nós fazemos um trabalho preventivo. Então, na verdade, o que a gente não quer é caçar bandido. Porque a gente coloca a nossa vida em risco.
Mas, no tocante a isso, acredito que seja a ignorância que leva a esse tipo de pensamento. A polícia é politizada. Não existe nenhuma instituição pública ou privada ou órgão de estado que não deve ter um bom network, que não deve estar presente na evolução social.
E a Polícia Militar é muito cobrada. Se a gente olhar para a região do Zero (em Várzea Grande), que é de prostituição, tráfico de entorpecentes… Tudo que acontece ali é por uma questão de saúde pública.
Antes do fato crime acontecer, há uma omissão de outros entes do Estado que falham.. E que deságua na Polícia Militar e a gente não pode se omitir.
E é importante pra quem faz essa crítica saber que o maior projeto de prevenção primária que a Polícia Militar tem são as escolas militares.
E ao passar pela educação básica, muitas vezes a gente tem aquela concepção de que o policial militar é truculento, violento, que caça bandido. As pessoas que passam pela escola militar sabem que o policial militar é humano, responsável, amigo, camarada, que é preocupado com o aluno.
MidiaNews – Vimos uma ondas de ataques às escolas. É favorável a revista de mochilas em escolas?
O que leva um adolescente a sair de casa com uma arma na mochila? A influência na escola, na sociedade ou em casa? Em nenhum momento é um problema de Segurança Pública, ali é um problema social
Januário Batista – O que aconteceu em Santa Catarina é algo que chama a atenção e que nos deixar alerta. A própria Polícia Militar entende que é necessário uma discussão muito mais ampla, porque não é um problema de polícia. O que leva um adolescente a sair de casa com uma arma na mochila? A influência na escola, na sociedade ou em casa?
Em nenhum momento é um problema de Segurança Pública; ali é um problema social. Mas que, como disse, alguns problemas sociais acabam eclodindo na Segurança.
Então nesse viés a gente tem feito orientações ao público interno e ao externo com algumas palestras. Estamos atentos. Mas nas escolas militares não há revista de mochila. Uma revista de mochila pode acontecer quando chega alguma denúncia. E essa revista será feita acompanhado de um professor.
MidiaNews – Com base na sua experiência, como viu a decisão do presidente Lula de acabar com o programa federal de escolas militares?
Januário Batista – Isso leva a gente a olhar como foi o pleito eleitoral no ano passado, que foi eivado de sentimentos e emoções que fizeram a sociedade se dividir entre apoiadores de direita e de esquerda. E parece que tudo que estava sendo feito de direita era errado, e o certo seria as proposituras de esquerda.
Para um gestor saber se um programa deu certo ou não, basta olhar o que ele investe e quais são os resultados. Se esse programa não tivesse dando o resultado desejado, teria que analisar se o recurso estava sendo aplicado de forma correta ou se poderia ter um outro direcionamento.
A descontinuidade de uma política pública, sem um estudo técnico, é ruim. Eu acredito que, de repente, poderia ter diminuído o aporte, feito correção do modelo desejado, de forma que não ocorresse uma ruptura abrupta, porque agora tudo que foi investido foi praticamente jogado no lixo.
Como gestor, a gente tem que ter responsabilidade com o dinheiro público, que não pode ser testado e jogado fora.