É desesperador, afirma defensor sobre judicialização da saúde em Mato Grosso | …

Rodinei Crescêncio/Rdnews

defensor publico f�bio barbosa

Sendo um direito constitucional, o acesso à saúde é imprenscindível para a manutenção da qualidade de vida dos cidadãos. Entretanto, a estrutura das redes públicas de saúde não comporta as demandas e, consequentemente, o Poder Judiciário precisa ser acionado para garantir o atendimento, muitas vezes em casos em que há risco de morte. Em entrevista especial ao , o defensor Fábio Barbosa discorreu sobre a problemática de precisar entrar na Justiça para garantir um direito básico, em razão da falta de políticas públicas que auxiliem a rede de saúde.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista

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Doutor, em quais situações a pessoa pode acionar a Justiça na área da saúde?

Bom, talvez seja interessante contextualizar que nós temos duas formas de atuação. A coletiva e a individual. Coletivamente, em situações mais estruturantes, que buscam, sobretudo, uma política pública. O que é o carro chefe, normalmente, são as ações individuais. Então, é o caso daquela pessoa, daquele cidadão que teve negado o seu direito à saúde – e a gente ainda estabelece um marco negado, muitas vezes, porque se a pessoa está ali na fila de regulação, não quer dizer que o estado negou, formalizou uma negativa -, porém, a depender do quadro de saúde dessa pessoa, dos riscos, seja de uma piora do seu estado, seja até mesmo a evolução com óbito, nós entendemos que, obviamente, é uma negativa. Ou seja, dentro da equipe daquilo que poderia ser feito dentro do prazo razoável, não foi feito. Obviamente, essa pessoa teria o direito constitucional à saúde. Em contrapartida é um dever do estado de fornecer saúde, o direito judicializado.

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E hoje a defensoria atua de que forma? Nessa de garantir o direito à saúde para os cidadãos que têm ele negado, que estão em fase de regulação, como que isso acontece?

A gente tem o grupo estratégico que visa entender um pouco mais a estrutura do sistema de saúde do Estado e buscar soluções, alternativas, refletir sobre os principais problemas que a gente encontra dentro das respectivas comarcas – hoje estamos chegando em todas as comarcas de Mato Grosso. A Defensoria Pública, através dos defensores das respectivas comarcas, pode, analisando a documentação médica, judicializar. Nós, via de regra, tentamos resolver administrativamente, seja através de informações, ofícios ao próprio ente que é esse que seria o “responsável” por fornecer essa demanda, ou seja, o município, estado, etc. Se vem alguma negativa desse documento, dessa requisição, a Defensoria judicializa, isso obviamente nos casos em que é possível ainda aguardar um tempo para que o estado tenha resposta. Há situações como, por exemplo, uma vaga em UTI que a pessoa não tem como esperar, automaticamente a Defensoria já judicializa a questão.

Quais são as principais demandas, o que as pessoas judicializam mais?

Se a gente for estabelecer um carro chefe, seriam os medicamentos, sejam aqueles que constam na relação do SUS, os incorporados, ou aqueles não incorporados, cerca de 55% das ações são para medicamentos. Mas, assim, se eu fosse fazer uma análise de cirurgias, normalmente a gente faz essa análise por especialidade, aí as ortopédicas, as neurocirúrgicas, depois as cardíacas, os cardiovasculares são as principais também. De um modo geral, também tem praticamente todas as áreas, cirurgias, exames, consultas especializadas, com um volume muito grande.

Quão problemático quando a gente vai refletir sobre a questão da judicialização da saúde?  Para mim, pessoalmente, a conta não fecha, porque eu não teria que recorrer a Justiça para garantir um direito já me é dado, que já me é garantido na Constituição. Quão problemático é as pessoas precisarem recorrer ao Judiciário pra garantir esse direito?

Você acaba tendo o Judiciário como a única forma de socorrer. Não deveria ser esse o meio


Fábio Barbosa

É desesperador, eu colocaria dessa forma. É desesperador, quando você realmente tem um problema, um problema sério, muitas vezes, algo que dificulta a sua qualidade de vida ou então uma situação que vai se agravando e, de repente, você procura o sistema de saúde e não encontra o respaldo, não encontra com a resposta. É desesperador. Você acaba tendo o Judiciário como a única forma de socorrer. Não deveria ser esse o meio. É claro que, quando a gente pensa em Judiciário, a gente está pensando numa situação em que alguém teve um problema e esse problema não foi resolvido, sendo que uma terceira pessoa teria o dever de resolver esse problema. Depois disso, discute no Judiciário quem tinha razão ou não. O que a gente entende é que precisa repensar políticas públicas na área da saúde preventivamente, porque isso tem um custo para o estado, muito alto inclusive. A gente falar em SUS, eu sou muito fã do SUS, a gente sabe que o SUS é o melhor sistema de saúde pública de todo mundo, isso é inegável, mas pelo tamanho dimensão que ele tem, é claro que ele tem diversos problemas, diversas dificuldades. E aí, quando se soma a uma gestão que não pensa realmente políticas públicas preventivas, é lógico que essa conta acaba não fechando lá na frente. Acho que isso, para mim, é um dos maiores problemas, repensar a questão das políticas públicas para o sistema de saúde, principalmente o preventivo.

Qual a visão do senhor sobre a situação atual da saúde? É incapacidade técnica? Não dar atenção à saúde é uma questão política?

Eu acho que ainda é uma forma de pensar diferente, sabe? Eu fiz um mestrado há pouco tempo fora do Brasil e aí a gente percebeu essa situação. É uma dificuldade que a gente tem, até enquanto brasileiro podemos assim dizer, de primeiro pensar lá na frente e não antes o preventivo, não antes você fazer um raciocínio sobre onde você quer chegar. Isso acontecia muito quando nós chegávamos lá no mestrado e queríamos já pensar no trabalho que eu ia fazer de conclusão de curso, sem antes pensar nas possibilidades sobre isso. A gente percebe que o Brasil tem muito disso, de pensar lá frente, nas respostas, sem antes pensar nos problemas. Eu acho que o principal problema que a gente tem hoje seria a forma de pensar do brasileiro, de como pensar preventivamente. Isso é um trabalho de conscientização, não somente do Poder Público, mas também especificamente até para que você precisa conscientizar a sociedade disso. As pessoas também precisam agir preventivamente. Quando começou a pandemia, eu estava no Lucas do Rio Verde e tentamos fazer um trabalho em conjunto com a universidade em um sistema que pudesse auxiliar e identificação de covid, dos lugares em que as pessoas tinham passado. Mas, antes desse sistema, a gente acabou elaborando um questionário, desses do Google Forms mesmo, divulgou para toda sociedade, todo mundo de Lucas do Rio Verde preencheu para termos informações importantes. A sociedade quer contribuir, mas a gente percebe que algumas questões ainda faltam amadurecer, entre elas, a conscientização. Inclusive, o próprio formulário em si, foi preenchido praticamente por mulheres e isso mostra um dado social muito importante. Realmente, homem não faz exames preventivos, homem não procura o posto de saúde e acaba acarretando uma série de problemas. Na hora que você vai lá na frente fazer uma análise dos dados das ações da defensoria, você percebe que quem vai precisar mais de uma cirurgia cardíaca? Um homem lá na frente. Quem vai precisar mais de uma UTI por conta de um problema no coração? O homem lá na frente. Aí você percebe que aqui o trabalho não foi feito preventivo e aí a consequência vem lá na frente.

Quando uma pessoa entra com uma ação requerendo uma vaga em uma UTI, por exemplo, quais as dificuldades do processo? Nos casos em que há risco de morte ou de agravamento do quadro, como a Defensoria Pública auxilia?

Muitas vezes, mesmo judicializado, você não consegue. Isso que é a questão, porque é um caso excepcional que a gente está falando, de uma decisão judicial, a gente está falando de um processo que a gente tem que se substanciar, munir o juiz de muitos documentos que demonstram que realmente a pessoa precisa daquilo para ele deferir essa liminar. A grande problemática é a reunião desses documentos. A gente sempre precisa que a família traga todos esses documentos médicos que possam subsidiar aquela situação e demonstrem a emergência, a urgência no caso, principalmente com o risco de vida para essa medida ser atendida. Então, é com base nesses documentos, seja durante o horário, seja no horário de plantão, vai ter sempre um defensor plantonista que vai judicializar essa medida. Uma vez percebida essa situação, com base nos documentos médicos, sempre que há esse risco de morte, normalmente leitos de UTI a gente nem discute, porque os documentos médicos já demonstram, a gente já judicializa pedindo a liminar para o juiz, seja o juiz plantonista ou o que realmente que atua na Vara.

E quando o Estado recorre de alguma ação dessas, mas tem uma vida em risco?

Isso tudo acaba não sendo algo que a gente consegue resolver em cinco minutos e, às vezes, a vida ou a morte a gente está falando de cinco minutos, dez minutos


Fábio Barbosa

Normalmente, até o Estado costuma argumentar dentro do processo uma série de questões, teorias como reserva possível. Acho que, apesar do direito da saúde universal, ele tem que atender a todos, então ele não pode dispor de um valor de uma situação específica para uma pessoa, por exemplo. Mas, a maioria hoje já é bem vencida. O que acaba havendo mesmo é a morosidade, o processo ainda deveria ser mais eficiente, seja na comunicação, na decisão do juiz, essa é inclusive bem rápida, mas aí começa o trâmite. Tem que se intimar o Estado dessa decisão, tem hoje todo um sistema próprio de se intimar o Estado, mas aí o cumprimento e, muitas vezes, a gente acaba ficando com a sensação de que, lá no fundo mesmo, o estado acaba decidindo se ele vai conceder que ele tenha vaga pra aquilo ou não, porque na situação é um absurdo de não se conseguir a vaga. A gente, novamente, tem que manifestar, requerer que seja disponibilizado no sistema particular, por exemplo, a partir daí você já tem que ter bloqueio de verbas do estado, você já começa a ter que trazer orçamentos de quanto que vai custar essa vaga dentro do sistema privado de saúde, para trazer informações para o juiz e aí o juiz deferir esse bloqueio, tirar esse valor da conta do estado, transferir. Isso tudo acaba não sendo algo que a gente consegue resolver em cinco minutos e, às vezes, a vida ou a morte a gente está falando de cinco minutos, dez minutos. E o mais difícil é quando você está nessa luta e consegue a vaga, que você vai ligar pro assistido e ele fala: “Olha doutor, muito obrigado, mas ele já nos deixou”.

Rodinei Crescêncio/Rdnews

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Jornalista Geovana Torquato entrevista, na sede do Rdnews, o defensor público Fábio Barbosa sobre a judicialização da saúde em Mato Grosso

A necessidade da judicialização da saúde ocorre por conta da precariedade do SUS? De que maneira?

Eu não diria por conta da precariedade do SUS, mas sim a questão das políticas públicas. Eu acho que a estrutura do SUS, ela, como eu disse, não é perfeita e nem se espera que fosse perfeita, mas eu penso que as políticas, aqui  a gente está falando do fator homem que vem por trás da aplicação das políticas, elas é que são fundamentais. Então, acho que essa conscientização, essa forma de repensar o sistema, a utilização que já existe do SUS, ela pode ser importante e resolveria muito desse problema, ou seja, da judicialização. É só a gente olhar um pouco agora para o que está acontecendo na questão da saúde. Primeiro se politizou a questão da saúde e agora as pessoas não vão mais tomar vacina. Olha a quantidade de vacina que está sobrando hoje no sistema e o valor, é um dinheiro que, inclusive, se perder vai ser jogado fora, porque vence a vacina. A gente tinha erradicado doenças lá atrás que começaram a voltar a surgir novamente.



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