Desafiador, autismo na fase adulta demanda inclusão e luta por direitos | …

Geralmente associado a crianças, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é tratado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma condição do neurodesenvolvimento marcado por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, bem como padrões de comportamento. Enquanto o diagnóstico ainda na infância auxilia na busca por tratamentos que adaptem o padrão comportamental e deem maior funcionalidade para a vida adulta, lidar com o autismo após os 18 anos é uma tarefa mais delicada e a falta de um diagnóstico pode ser angustiante.

Com 46 anos, o caminho do professor do curso de Química da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Felipe Thomaz Aquino, com o TEA começou há aproximadamente um mês. Mesmo sem diagnóstico, Felipe recorria à terapia frequentemente para esclarecer dificuldades em relacionamentos amorosos. Em 2019, quando veio para Cuiabá, a psicóloga notou certos traços que poderiam ser autismo. No entanto, foi apenas em 2024 que, já com outra profissional, ele conseguiu a resposta que buscava. Receber um diagnóstico preciso, para o docente, foi libertador.

Rodinei Crescêncio/Rdnews

Felipe Thomaz - professor autista

Segundo Felipe, saber de sua condição fez as coisas passarem a fazer sentido na sua vida. “O diagnóstico foi libertador, porque me ajudou a entender muita coisa sobre a minha vida e, ao mesmo tempo, é um desafio, porque a gente começa a se deparar com alguns incômodos e eu estou reaprendendo a agir diante dessas situações, respeitando os meus limites. Isso é muito importante no meu diagnóstico, mas não me colocando em uma condição incapacitível”, detalha.

É preciso falar sobre o autismo

Desde 2008, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a campanha “Abril Azul”, fixando o mês de conscientização sobre o transtorno, como forma de conscientizar as pessoas sobre o autismo e dar visibilidade ao TEA. A campanha surge em razão do dia 2 de abril ser o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.

O diagnóstico foi libertador, porque me ajudou a entender muita coisa sobre a minha vida e, ao mesmo tempo, é um desafio


Felipe Thomaz Aquino

O diagnóstico na fase infantil colabora para o desenvolvimento de habilidades para ter mais qualidade de vida na fase adulta. No entanto, a ciência pouco sabe sobre os padrões e características dos adultos portadores de TEA, fato que contribui para que a inclusão desses indivíduos no cotidiano seja mais difícil e burocrática.

A falta de detalhamento científico sobre o autismo em adultos é uma dificuldade para maiores avanços de Felipe. Nesses casos, o déficit de pesquisa sobre o assunto colabora para que a divulgação da condição seja feita de outros meios.

“Não tem muito material ainda sobre o autismo na vida adulta, então tem a dificuldade na própria ciência ainda de tratamento específico e, no final das contas, quem tem feito a divulgação ou é um psicólogo especialista ou alguém que se descobriu especialmente na vida adulta, como eu”, comenta.

O professor relata que teve muitos progressos sozinho, os quais ele foi se forçando, como falar em público, olhar nos olhos, em vista de sua profissão. No entanto, ele não deixa de sentir dificuldades.

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autismo - dr virgilio vila moura

Virgilio Moura, neurologista: progresso do adulto com TEA depende do grau do espectro

Diagnóstico tardio 

Assim como qualquer faixa etária, o TEA na fase adulta pode apresentar várias características, sendo as mais marcantes a rigidez de pensamento, dificuldade de interação social e de entendimento de figuras de linguagem. Por exemplo, ao dizer “fazer a barba” quando, na verdade, significa aparar os pelos e não os manter.

O diagnóstico na fase infantil colabora para o desenvolvimento de habilidades para ter mais qualidade de vida na fase adulta. Entretanto, alguns traços não mudam com o tempo.

“A grande diferença do adulto para a criança é que a criança deixa de ter atrasos de desenvolvimento, porém mantém as características principais do autismo. Eu tenho diversos pacientes que foram crianças que, durante boa parte da sua vida, foram consideradas estranhas e ficaram isoladas. Na verdade, quando eles vêm na consulta, eu passo todo um diagnóstico retrógrado e você verifica que ele tinha sinais de autismo, mas não se sabia da doença”, pontua o neurologista Virgílio Moura.

Para o especialista, o progresso de uma pessoa autista na vida adulta varia da apresentação do grau do espectro. Uma vez o portador do TEA tendo superado o atraso de fala e aprendido a conviver com as limitações, a possibilidade de ter uma vida mais tranquila recai sobre a capacidade de socialização.

“Eles acabam tendo que escolher áreas para atuação na sua vida em que eles sejam bem competentes e consigam lidar. Por exemplo, é difícil, para a maioria dos pacientes, mesmo adulto, trabalhar com atendimento ao público, que é um trabalho de interação. Já coisas que exijam a organização, exigem eficiência, muitas vezes eles se dão bem”, detalha o médico.

Os direitos da pessoa com TEA e como garanti-los

Do ponto de vista legal, o TEA é considerado uma deficiência desde dezembro de 2012, a partir da Lei Federal nº 12.764. Entre os direitos prescritos na legislação, a pessoa autista pode pedir desconto em vários impostos, como IPVA, IPI, Imposto de Renda e pode usufruir de atendimento preferencial, como também possui 80% de desconto em passagens aéreas. Além disso, direitos à saúde e à educação também estão inclusos.  No entanto, como o diagnóstico do TEA é clínico, ou seja, não é detectado por exames, as pessoas que não conhecem tendem a ter muitas dúvidas sobre como uma pessoa com autismo se porta.

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autismo - samuel sampaio

Advogado Samuel Sampaio, membro da Comissão da Saúde da OAB-MT em Várzea Grande

Como o autismo não é uma deficiência tão visível quanto uma pessoa tetraplégica, utilizar uma fila preferencial, por exemplo, pode causar olhares tortos e questionamentos.

“Gera muita dúvida, gera desconfiança. As pessoas pensam que o autista tem que ser totalmente incapaz, ou seja, imputável. Então, por exemplo, dá muito problema na questão de assumir cargos públicos, ou seja, concurso”, afirma o advogado Samuel Sampaio, especialista em Direito da Saúde e membro da Comissão da Saúde da Subseção de Várzea Grande da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT).

Para o advogado, a pessoa com TEA é submetida a constrangimentos diários ao lidar com vários processos burocráticos para validar sua condição. Um exemplo é a admissão em concursos por meio das cotas para pessoas com deficiência. A instituição, que não “vê” a condição do candidato, tende a não validar sua aprovação.

“A pessoa com autismo precisa ter sua carteirinha de identidade com a logomarca do autismo. Aí ela vai no Ganha Tempo, apresenta seu laudo médico lá e estaria tudo certo. No entanto, esse momento foi tão burocratizado que a pessoa precisa ir lá, pegar um documento, levar no médico para ele assinar e apresentá-lo novamente no Ganha Tempo. Acaba que muitas pessoas desistem disso e a lei fala o contrário, que tem que ter acessibilidade, inclusão e desburocratizar tudo”, detalha Sampaio.

A pessoa com autismo precisa ter sua carteirinha de identidade com a logomarca do autismo


Samuel Sampaio, advogado

Ainda que os caminhos das pessoas com TEA para uma vida de qualidade seja longo, é preciso estar atento às necessidades desses indivíduos. O neurologista Virgílio Moura aponta que as pessoas com autismo devem ser inseridas no mundo de hoje sem rodeios, mas sempre levando em conta suas limitações.

“Ele tem uma necessidade especial assim como outros portadores de necessidades especiais. Eles precisam ser inclusos no sentido de entender que eles têm essa dificuldade e procurar adaptar para que eles possam melhor se inserir, da mesma forma como a gente faz, por exemplo, uma rampa pra quem é cadeirante, para conseguir acessar os lugares. Nós temos começar entender como funciona a pessoa com autismo e procurar inseri-la da melhor possível dentro da sociedade”, defende.



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