Congresso tem mais poder que Ministério da Saúde sobre gastos com assistência hospitalar e atenção básica


Estudo obtido com exclusividade pelo g1 mostra que entre 2016 a 2023, o valor das emendas parlamentares destinadas à saúde cresceu mais de quatro vezes. De 2016 a 2023, o valor das emendas parlamentares — gastos indicados pelo Congresso no orçamento do governo — destinadas à saúde cresceu mais de quatro vezes. Pulou de R$ 5,7 bilhões para R$ 22,9 bilhões.
Os dados, obtido com exclusividade pelo g1, são de um levantamento feito pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em parceria com a Umane, uma associação civil sem fins lucrativos.
A influência do Congresso nos últimos anos foi maior que do Ministério da Saúde (MS) nas duas principais funções da pasta, se consideradas despesas não obrigatórias (discricionárias) do governo.
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Nesse tipo de despesa, o ministério tem liberdade para aplicar o dinheiro de acordo com o que decidir priorizar.
Assim como deputados e senadores escolhem para quais projetos ou políticas públicas o dinheiro das emendas vai.
O destino não é fixo. E, mesmo assim, certas modalidades de emendas (individuais e de bancada estadual) são impositivas, ou seja, precisam ser obrigatoriamente pagas pelo Executivo.
É esse poder do parlamento sobre o Orçamento que está gerando atrito entre os parlamentares e o Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a execução dessas emendas impositivas.
O estudo analisou duas áreas-chave do Sistema Único de Saúde (SUS), que são priorizadas pelo Ministério da Saúde:
Atenção Básica: prevenção e diagnóstico de doenças, primeiro nível de atenção em saúde. Exemplos são os postos de saúde, o pré-natal e a Estratégia Saúde da Família (ESF);
Assistência Ambulatorial e Hospitalar (AHA): atendimento em hospitais, especializado por áreas, como cardiologia, e também emergências e cirurgias, nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA).
Esses são os dois eixos que estruturam a assistência em saúde no Brasil. E o estudo revela que hoje estão sendo financiados mais por emendas parlamentares que por despesas não obrigatórias do Poder Executivo.
O volume de recursos reservados e autorizados de emendas para as duas áreas é maior que a execução das despesas discricionárias do MS.
No período analisado, o dinheiro das emendas foi progressivamente direcionado mais para despesas correntes (pagamento de água e luz), em detrimento dos investimentos (obras, como a construção de uma Unidade Básica de Saúde – UBS).
“Esses dados revelam a ampliação da influência do Congresso na destinação de recursos para duas áreas essenciais da Saúde, e o consequente recuo do orçamento discricionário do Ministério da Saúde. É importante que haja equilíbrio nessa distribuição de recursos, considerando que é o Executivo o responsável pelo planejamento técnico e orçamentário para essas áreas”, explica Victor Nobre, assistente de relações institucionais do IEPS e um dos autores da pesquisa.
Emendas Pix
Na decisão que suspendeu primeiramente as emendas conhecidas como “Emendas Pix”, o ministro do STF Flávio Dino alertou para a falta de transparência dessa modalidade.
Nesse tipo de indicação, os recursos são transferidos por parlamentares diretamente para estados ou municípios, sem a necessidade de apresentação de projeto ou justificativa.
O estudo também aponta a dificuldade de rastrear as Emendas Pix.
“Desde 2019, ano em que esse instrumento foi criado, a modalidade tem chamado atenção especialmente por dois aspectos: o crescimento no volume de recursos e a falta de transparência relativa ao nome do parlamentar que a indicou e sua efetiva destinação”, diz a pesquisa.
Gráfico comparativo das emendas e despesas discricionárias do MS.
Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)
“Entre 2020 e 2023, o montante empenhado em ‘Emendas Pix’ cresceu, em termos reais, dez vezes, saindo de aproximadamente R$ 620 milhões para R$ 6,7 bilhões. Não é possível, portanto, identificar se uma parcela desse valor foi destinada à saúde ou se não houve recursos destinados à saúde por essa modalidade”, aponta o estudo.
Valores
O que a pesquisa revela:
Entre 2016 e 2019, os valores empenhados em emendas para essas áreas mais do que quadruplicaram, passando de R$ 3,7 bilhões para R$ 16,3 bilhões. De 2019 a 2023, o crescimento de emendas para a Atenção Básica cresceu 16,9%, passando de R$ 8,0 bi para R$ 9,4 bi, e para a Assistência Ambulatorial e Hospitalar o crescimento foi de 61,2%, passando de R$8,3 bilhões para R$13,3 bilhões;
Em 2024, a previsão de recursos no Orçamento em emendas parlamentares [individuais] é de R$ 25 bilhões. Segundo o estudo, isso “reforça a tendência de continuidade de ampliação do orçamento do Poder Legislativo”;
Em 2024, a destinação de recursos para a Atenção Básica, por meio das emendas parlamentares, “pode ser 71,9% maior que os recursos discricionários destinados pelo Ministério da Saúde. A tendência é a mesma para os recursos da Assistência Ambulatorial e Hospitalar, que pode ser 64% maior”;
As regiões Norte e Nordeste, localidades com percentuais de pré-natal adequado mais baixos, receberam mais recursos para a Atenção Básica por meio de emendas parlamentares do que regiões com percentual mais alto. Por outro lado, não foi observado padrão entre o repasse de emendas para Assistência Hospitalar e a mortalidade materna hospitalar. Os estados com maior volume de recursos per capita destinados via emendas parlamentares, nas duas áreas, são também estados com mais representantes no Legislativo;
Municípios de menor porte populacional, com cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) igual ou superior a 80% e nível de vulnerabilidade social mais alto recebem, via de regra, mais recursos por meio de emendas parlamentares do que os municípios com características opostas.

Fonte