Annie Souza/Rdnews
Apesar da exuberância da Catedral Basílica do Senhor Bom Jesus, datada do final da década de 1970, e de seu vizinho Palácio da Instrução, o restante do Centro Histórico de Cuiabá tende a respirar por aparelhos em um futuro próximo. Em 2023, o tombamento da área mais antiga da Capital completa 40 anos, mas os casarões nas ruas Campo Grande e 7 de Setembro descascam sob a falta de cuidado e segurança.
De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional, cerca de 400 imóveis estão em situação de abandono em Cuiabá, sendo que 80 correm risco de desabamento.
Os casarões do Centro Histórico, por sua vez, são motivo de espanto para quem circula na região – só que pelas vigas de madeira que impedem o edifício de desmoronar.
Para Elizabeth Cassimiro, dona de uma loja de moda fitness ao lado de um dos casarões da rua Campo Grande, não há saída para o descaso na região. “Eu estou aqui há 16 anos e só vi colocarem isso para não desabar”, comenta a comerciante, “nem os drogados querem ficar aí com medo de cair na cabeça deles”.
“Perdi a esperança de ver aquilo recuperado”
A crescente violência e abandono das edificações históricas do Centro da Capital é motivo de descontentamento do advogado cuiabano Renato Calhao. Calhao, que tem 65 anos, nasceu na casa em frente ao Museu da Imagem e Som de Cuiabá, o Misc. O casarão azul (foto abaixo) foi um presente de casamento dos avós para seus pais.
Annie Souza/Rdnews
“Fomos acostumados a acompanhar o meu pai fazendo restauros nas casas pelo Centro Histórico”, comenta Renato. “Com a morte dele, aproveitamos o dinheiro da herança para revitalizar o que tínhamos”
Conta o cuiabano Renato Calhao
“Fomos acostumados a acompanhar o meu pai fazendo restauros nas casas pelo Centro Histórico”, comenta Renato. “Com a morte dele, aproveitamos o dinheiro da herança para revitalizar o que tínhamos”.
Do ponto de vista dos proprietários de casarões, Renato argumenta que a ajuda do Iphan é inexistente. Atualmente, seu imóvel está à venda e é expressão de indignação dentro da área do tombamento. A arquitetura colonial contrasta com as pichações com palavras como “incompetência”, “desrespeito” e “descaso”. No Google Maps, sua casa está marcada como “Abandono Centro Histórico”.
“A minha casa é uma das mais conservadas”, afirma. “Mas roubaram toda a parte elétrica, hidráulica e levaram até os sanitários. As pessoas dessas associações nunca vão saber o que é receber uma ligação no meio da noite dizendo que sua casa foi invadida”.
Próxima à casa de Renato, o casarão da antiga Gráfica Pêpe também se encontra escorado. Com tapumes à frente, o imóvel está em obras para reparação de desabamentos passados. A ocasião do escoramento é oportunidade para adictos ocuparem o local para uso de drogas.
Procurada pelo , a Prefeitura de Cuiabá informou que obras de restauração são de responsabilidade dos proprietários.
“Acredito que até exista entre boa parte dos proprietários dessas casas uma certa mentalidade de desprezo por esses imóveis e um desejo de que desabem para que possam construir novos espaços nos lugares dos prédios antigos”, pondera o historiador e cientista político Suelme Fernandes.
Segundo ele, ter imóveis tombados virou um problema para seus proprietários no Brasil, pois as restaurações são obras complexas, burocráticas e caras.
“Para agravar a situação, a maioria dessas casas têm enormes litígios judiciais, são espólios familiares que envolvem dezenas de herdeiros que não assumem a gestão deles por desinteresse completo e por não verem nenhum valor simbólico histórico no acervo construído”, pondera ele, trazendo à tona um problema citado pela Prefeitura de Cuiabá.
Como um exemplo de confusão de divisão de bens, o casarão 79 da rua Pedro Celestino, também escorado, pertence a um inventário que contém 45 herdeiros. De acordo com a Prefeitura, em 2021, foi registrada a intenção de doar a casa para o município, mas não foi concretizada.
5ª Semana do Patrimônio Histórico
Em comemoração ao Dia do Patrimônio Histórico, desde a última terça-feira (15), o grupo Amigos do Centro Histórico e a Associação Cuiabana de Cultura Murixum organizaram uma programação para a conscientização da preservação do centro histórico cuiabano. Os eventos se encerraram com a leitura de uma carta aos possíveis candidatos a prefeitura de Cuiabá, pedindo incentivos a conservação da área.
Entitulada “Diretrizes para políticas efetivas ao patrimônio histórico cultural cuiabano”, o documento propõe mudanças na gestão de setores públicos como segurança, economia, mobilidade urbana e planejamento, em prol da área de tombamento. Para os autores, é importante unir o patrimônio ao desenvolvimento da Capital, seja ele culural e econômico.
Segundo um dos responsáveis pelo evento, Ernane Calhao, a ideia é levar os comércios para casarões já restaurados, a fim que atrair investidores para a região.
“Nós entendemos que ninguém se atrai por algo que não tem gente, não tem vida”, detalha. “Então nós vamos apresentar uma lei de incentivo fiscal para a área do centro histórico”.
A Associação Cuiabana de Cultura Murixum fez um levantamento com as casas aptas para uso, sugerindo uma isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços para os empresários que escolherem investir no centro. Além disso, o quinto ponto da carta-proposta aos possíveis candidatos pede o cumprimento de sete obras de restauro que estão paralisadas, incluíndo o casarão 79 da rua Pedro Celestino.