Anderson Torres jogou para subordinados a responsabilidade sobre mapeamento de eleitores e atuação da PRF no 2º turno; veja depoimento


A PRF era subordinada a Torres, ministro da Justiça do governo Bolsonaro à época do pleito, e intensificou a fiscalização a ônibus às vésperas e no dia do 2º turno. A Polícia Federal apura a corporação atuou deliberadamente para atrapalhar os eleitores. Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro, foi preso após ataques golpistas de 8 de janeiro
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em depoimento à Polícia Federal, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres jogou para seus subordinados a responsabilidade sobre o mapeamento de eleitores e a atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no 2º turno de 2022. O blog teve acesso à íntegra do depoimento (leia abaixo).
Torres declarou que a “iniciativa” do mapeamento que mostrava os locais onde Lula e Bolsonaro tiveram mais de 75% de votos no primeiro turno “partiu da própria” delegada Marília Alencar. Marília era diretora de Inteligência (DINT) da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI), do Ministério da Justiça. A ex-diretora foi ouvida pela PF no dia 13 de abril e afirmou que o levantamento teria sido um pedido de Torres, seu chefe na época.
Segundo ele, o “intuito” era relacionar crimes eleitorais, mas ele disse que não levou a informação adiante pois entendeu que os dados não eram indicativos de crimes eleitorais.
O ex-ministro disse ainda que a PRF tinha autonomia operacional e que as informações sobre a fiscalização feita pela corporação no dia da eleição foi repassada a ele por Silvinei Vasques, então diretor geral da PRF, e que, ao perguntá-lo quanto às notícias do dia 30 de outubro de 2022 sobre as abordagens nas rodovias federais, Silvinei afirmou que a atuação era “normal”.
No depoimento, ele também afirmou que a viagem para a Bahia foi para visitar, a convite, a obra da superintendência regional da PRF.
Ele disse que a operação foi igual em todo o país, embora o levantamento do Ministério da Justiça mostre que a PRF fiscalizou 2.185 ônibus no Nordeste, onde Lula era favorito, contra 571 no Sudeste, entre 28 e 30 de outubro. Ele chegou a declarar que, “salve engano”, Alagoas foi o local com maior número de abordagens da PRF e “onde o candidato Lula obteve mais votos”. Já Mato Grosso do Sul foi citado por ele como o “segundo local com mais abordagens” e “onde o candidato Bolsonaro foi o mais votado”. Mas ele não soube dizer à PRF se essa classificação de Alagoas e Mato Grosso do Sul era em números proporcionais à quantidade de habitantes ou em números totais.
Torres está preso em Brasília desde o início do ano por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) suspeito de omissão nos atos golpistas de 8 de janeiro, quando era secretário de segurança pública do Distrito Federal, mas também é investigado na apuração sobre se a fiscalização da PRF atrapalhou de propósito o deslocamento de eleitores no segundo turno.
Veja a íntegra do depoimento:
“Questionado sobre a atuação da Polícia Rodoviária Federal – PRF no segundo turno das eleições de 2022, o declarante afirma que as informações que Ihe foram passadas via Secretaria de Operações Integradas do MJSP – SEOPl eram de atuações normais em todo território nacional;
QUE o declarante chegou a conversar com o ex-Diretor Geral da PRF, SILVINEI VASQUEZ, questionando acerca das notícias que estavam sendo divulgadas na mídia no dia 30/10/2022, segundo as quais a PRF estaria realizando abordagens nas rodovias federais, tendo SILVINEI afirmado que a atuação da PRF era normal, chegando, inclusive, a escoltar veículos que estariam sem condições de trânsito para garantir o direito de voto;
QUE, no mesmo dia 30/10/2022, SILVINEI informou por telefone ao declarante que estaria se dirigindo a uma reunião com o Presidente do TSE, Ministro ALEXANDRE DE MORAES, para tratar do referido assunto;
QUE, depois da reunião, quando já havia sido encerrada a votação, mas ainda não a apuração, o declarante assistiu a uma entrevista do Ministro, o qual afirmou que nenhum eleitor havia deixado de votar em razão da atuação da PRF e, no mesmo contexto, o Ministro afirmou que pela primeira vez na história a abstenção no segundo turno havia sido menor que no primeiro;
QUE SILVINEI também informou ao declarante que o procedimento da PRF no segundo turno havia sido praticamente o mesmo que no primeiro turno; QUE o planejamento operacional da PRF, assim como o da PF e o das 27 Secretarias de Segurança Pública dos Estados, foi apresentado ao MJSP, via SEOPI;
QUE os planejamentos operacionais em questão eram apresentados com autonomia pelas instituições, sendo que a função da SEOPI era fomentar ações integradas para consecução de determinados objetivos, dentre os quais a OPERAÇÃO ELEIÇÕES 2022;
QUE o declarante não tinha atribuição para vetar o planejamento operacional de qualquer instituição;
QUE o fomento exercido pela SEOPI consistia em descentralizar recursos para o custeio das ações em questão; QUE o declarante confirma ter recebido da então Diretora de Inteligência – DINT da SEOPI, DPF MARILIA ALENCAR, um Bl contendo informações acerca dos locais nos quais ambos os candidatos a Presidente da República concorrentes ao segundo turno das eleições de 2022 tiveram mais do que 75% dos votos no primeiro turno, sendo que a iniciativa partiu da própria DPF MARILIA, haja vista ser uma das atribuições da DINT;
QUE o intuito do Bl era relacionar crimes eleitorais, mas o declarante não levou a informação adiante haja vista não entender que os dados contidos no Bl eram indicativos de crimes eleitorais;
QUE outra informação levada ao conhecimento do declarante pela DINT foi referente a uma possível atuação de facções criminosas no Estado do Rio de Janeiro, as quais estariam agindo de forma a coagir eleitores a votar em determinado candidato, sendo que a DINT atuou para tentar confirmar a veracidade das informações, mas isso não foi confirmado; QUE, com relação ao “Bl dos 75%”, o declarante afirma não tê-lo levado ao conhecimento da PRF, acreditando que não houve sequer difusão pelos canais de inteligência:
QUE, questionado sobre a ação da PRF no segundo turno das eleições de 2022 a princípio ter sido mais enfática nos locais onde o então candidato LULA teria recebido 75% ou mais de votos no primeiro turno, o declarante afirma que SILVINEI VASQUEZ Ihe informou que a ação foi praticamente a mesma do primeiro turno, não tendo havido qualquer direcionamento;
QUE a PRF tinha autonomia operacional, como já dito, e as informações da ação da PRF foram repassadas ao declarante por SILVINEI; QUE o declarante afirma que, salvo engano, o local onde houve mais abordagens da PRF foi o Estado de Alagoas – AL, onde o candidato LULA obteve mais votos, sendo que o segundo local com mais abordagens foi o Estado do Mato Grosso do Sul – MS, onde o candidate BOLSONARO foi o mais votado; QUE questionado pelo Promotor de Justiça acerca das abordagens nos Estados de Alagoas e Mato Grosso do Sul, se a classificação das mesmas foi em números proporcionais a quantidade de habitantes ou números totais afirma não saber esclarecer;
QUE não houve qualquer determinação do declarante para que a PRF agisse de forma mais contundente no Nordeste;
QUE o Advogado SMANIOTTO solicita que seja consignado que também não houve a determinação para que a PRF agisse de tal forma em qualquer outro Estado da Federação QUE a gestão do declarante no MJSP foi técnica e as determinações eram de coibição a todos os crimes eleitorais, independente do partido de quem os cometesse;
QUE não tem conhecimento se SILVINEI direcionou a atuação da PRF, sendo que o mesmo Ihe disse que havia uma determinação do TSE, já contida no planejamento operacional da PRF, de não abordar ônibus no dia das eleições;
QUE não se recorda ao certo se a determinação era de fato não abordar ou não apreender veículos ou ainda de não impedir eleitores no dia das eleições;
QUE, com relação a outro fato, o declarante havia se dirigido a Juiz de Fora/MG no dia em que o ex-Deputado Federal ROBERTO JEFFERSON atentou contra Policiais Federais em sua própria residência, sendo que, quando chegou a tal cidade, a situação já estava controlada pela PF, não havendo necessidade de qualquer atuação do declarante:
QUE o declarante estava na companhia de várias pessoas do Governo em São Paulo/SP, sendo que, foi sozinho, com sua segurança pessoal para Juiz de Fora/MG;
QUE os fatos ocorreram em uma cidade do Estado do Rio de Janeiro próximo a Juiz de Fora/MG;
QUE o declarante estava em São Paulo/SP, de onde se dirigiu a Juiz de Fora, onde na noite daquele dia, encontrou o então Diretor-Geral da PF, MARCIO NUNES, e o Secretário Executivo do MJSP, Brigadeiro ANTONIO RAMIREZ LORENZO:
QUE, no dia seguinte, todos foram até o Rio de Janeiro/RJ a uma reunião no Arquivo Nacional, sendo que na viagem, o DPF MARCIO convidou o declarante para irem até Salvador/BA, onde visitariam a obra da SR/BA, haja vista que o declarante tinha o intuito de fazer a entrega de tal obra;
QUE na SR/BA. no dia 25/10/2022, foram recebidos pelo então Superintendente Regional da PF, DPF ALMADA, em uma reunião, na qual foi tratado da obra e do trabalho das eleições;
QUE o declarante não solicitou que a PF trabalhasse de forma conjunta com a PRF, mas sim que, visando aumentar a capilaridade da atuação das forças federais, o declarante e o DPF MARCIO sugeriram que nas cidades nas quais a PF não conseguisse atender, fosse solicitado que a PRF o fizesse;
QUE não houve uma resposta se tal sugestão seria acatada; QUE ressalta que não houve determinação para que uma instituição exercesse a atribuição da outra;
QUE, na mesma reunião, o DPF ALMADA informou que notícias semelhantes as de atuação de facções no Estado do Rio de Janeiro estariam ocorrendo na Bahia, mas que a PF havia checado e isso não se confirmou; QUE a viagem para Bahia se deu em avião da FAB;
QUE questionado pelo Advogado RAPHAEL se além da planilha do 75% o declarante recebeu alguma outra planilha, o declarante respondeu que também recebeu estudos referentes a possíveis interferências de facções criminosas no primeiro turno das eleições, o que não se confirmou na prática;
QUE questionado pelo Advogado RAPHAEL se levou o Bl dos 75% em sua viagem à Bahia para apresentar ao DPF ALMADA, afirma que não, sequer se recordando se ficou com tal planilha:
QUE questionado pelo Advogado RAPHAEL sobre a forma como o Bl dos 75% foi apresentado, ou mesmo se o declarante sabe o porquê de tal número (75%) bem como se já havia visto tal métrica, o declarante afirma que o Bl foi apresentado em uma reunião com outros membros da SEOPI, mas que não sabe explicar o número em questão e que não havia visto tal métrica antes, mas que a função da DINT era exatamente fomentar tais discussões;
QUE não se recorda se havia Policiais Federais ou Policiais Rodoviários Federais na reunião;
QUE questionado pelo Advogado RAPHAEL a quem competia a difusão das informações de inteligência, o declarante afirma que competia à própria DINT, que era o órgão central de inteligência de segurança pública no Brasil;
QUE questionado pelo Advogado RAPHAEL se o declarante interferiu em qualquer ação operacional da PF ou PRF (blitze, abordagens etc.), o declarante afirma que sua atuação era estratégica, jamais tendo interferido em qualquer ação operacional;
QUE questionado pelo Advogado RAPHAEL se, com relação ao convite do DPF MARCIO ao declarante para a ida à Bahia, havia mais algum motivo além da visitação da obra, o declarante afirma que também tinha o intuito de tratar de vídeos divulgados na Internet, nos quais determinado grupo criminoso alegava ter o controle dos eleitores do local, sendo que o DPF/VLMADA afirmou que tinha tal notícia, a qual, porém, não foi confirmada em checagem;
QUE questionado pelo Advogado RAPHAEL qual foi o período em que foi realizada a visitação da obra da SR/BA declarante afirma que foi no período da tarde, sendo que foram visitados todos os andares da obra e foram tiradas fotografias, salvo engano, até publicadas na Intranet;
QUE questionado pelo Advogado SMANIOTTO se a preocupação com a atuação de facções criminosas em crimes eleitorais se restringiu aos Estados da BA e RJ, o declarante afirma que não, tendo tal preocupação sido com todos os Estados da Federação, tendo inclusive havido uma ação geral do MJSP em todos os Estados”

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