Rodinei Crescêncio/Rdnews
O herbicida 2,4-D, altamente nocivo e um dos componentes do “agente laranja” usado na guerra entre os Estados Unidos e o Vietnã é atualmente o segundo agrotóxico mais usado em Mato Grosso, tendo sua aplicação quadriplicada no Estado nos últimos dez anos. O veneno, que voltou a entrar em pauta nas últimas semanas após o caso do desmate químico de 80 mil hectares do Pantanal vir à tona, deve causar grandes impactos a longo prazo e os prejuízos serão sentidos ainda por décadas, tanto no meio ambiente, quanto na saúde da população regional, chegando a atingir o DNA humano, analisa o doutor em Saúde Coletiva e pesquisador, Wanderlei Pignati.
“O 2,4-D tem a vida média de 150 a 200 dias. Então são três, quatro meses que ele fica agindo. Além disso, tem um resíduo dele que fica no solo, que é a dioxina, que continua agindo por muito tempo. Para repor essa destruição, será preciso décadas, e nunca vai voltar ao original”, pontua em entrevista ao . Pignati, pesquisador dos impactos do agronegócio na saúde e no meio ambiente há mais de 20 anos, analisa o desastre provocado em Barão de Melgaço, investigado pela Polícia Civil e autuado pela Sema e afirma que o veneno, hoje o mais usado depois do glifosato, traz severas consequências à saúde humana, à saúde ambiental, contaminando água, ar, chuva, e alimentos.
“Esses produtos usados, como o 2-4-D, o Picloram e vários outros, quando jogados de cima no Pantanal, no cerrado, desfolham todas as árvores e vão para o chão, onde matam os pequenos animais, principalmente os anfíbios, sapos, rãs, os mamíferos pequenos, como paca e coelho, matam ratos, peixes, alevinos, girinos, matam tudo. Praticamente esterilizam esse ambiente”, explica.
O doutor pontua que os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, que vivem nessa região, são os primeiros atingidos diretamente, já que bebem a água e comem os peixes dos rios afetados. “São os maiores impactados nesse tempo que o agrotóxico que está agindo. Mas o produto não atinge apenas aquele local, vai até 20 km longe. As fazendas próximas podem ter o boi, o leite e a própria carne contaminada”, afirma. Além disso, o pesquisador alerta para o alcance maior desses prejuízos.
PJC
“Ele [o 2,4-D] é cancerígeno, baixa a imunidade, faz alteração no DNA, podendo produzir células defeituosas, que vão causar o câncer e se for na época da reprodução, pode alterar o DNA do espermatozoide, do óvulo, e fazer uma criança nascer com malformação. Se você pegar os dados de casos de malformação, por exemplo, no Brasil a cada mil bebês que nascem, três nascem com malformação. Aqui em Mato Grosso são 14 e em algumas regiões do estado esse número chega a 30. Quando falam que em 200 dias ele degrada, descartam que o efeito dele nesse tempo é muito perverso”, pondera.
Hoje Mato Grosso é o maior usuário de agrotóxico do país, por ser o maior produtor de soja, milho e algodão. Cerca de 20% dos agrotóxicos usados no Brasil são aplicados em Mato Grosso. Na safra de 22/23 foram empregados cerca de 1 bilhão de litros de defensivos no Brasil e 200 milhões de litros foram só em Mato Grosso.
No Estado, foram utilizados cerca de 40 milhões de litros de glifosato e 12 milhões do 2,4-D. “Alguns milhões de cauda tóxica que são colocados todo ano nas nossas lavouras”, critica Pignati. Estudos mostram que nas regiões que mais produzem e usam agrotóxicos, há maior incidência de câncer infantil, juvenil, casos de malformação, distúrbios neurológicos e endócrinos. A ocorrência dessas doenças é até cinco vezes maior nas regiões de Sorriso, Rondonópolis, Araguaia, e Diamantino.
Segundo Pignati, a região de Barão de Melgaço, onde teve esse grande desmate químico, deverá ser monitorada de perto pelas autoridades nos próximos anos. “Foram usados milhares de litros. Mas se usa milhares e milhares de litros no estado como um todo frequentemente. Então, isso que a gente questiona. Tem que ter uma ação maior da vigilância, tanto da saúde pública, como da agricultura e da Secretaria do Meio Ambiente. Eu espero que esse governo cumpra essa questão do desmatamento, faça agora um monitoramento de saúde e do ambiente, nessa região e no entorno”, argumenta.
Para o pesquisador, existe um modelo sustentável de produção em grande escala suficiente para suprir a demanda sem impactos devastadores. “Temos a Lei da Agroecologia e Produção Orgânica no Brasil e a lei estadual, em Mato Grosso. Então, se o governo quiser investir nesse outro modelo de produção, pode. Tem também controle biológico, tem fábricas de insumos biológicos, inseticida, fungicida, herbicida, que já estão produzindo de maneira biológica, em vez de ser feito com produto químico. Então é possível fazer em larga escala uma produção sustentável, desde que haja investimento do Governo Federal, do Estadual, e desde que haja interesse”, conclui.