Acadêmicos do curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) realizaram manifestações e reuniões para tratar sobre denúncias de racismo dentro e fora das salas de aula, por parte de docentes e de outros estudantes. Nesta terça-feira (10), deve acontecer reunião para tratar do assunto.
Na semana passada, notas de repúdio e vídeos com manifestações e colagens de “lambe lambe”, foram compartilhadas nas redes sociais do Coletivo Negro Kilombo Cassangue, composto por acadêmicos de Psicologia que fazem parte da comunidade preta e parda da instituição, assim como da Liga Acadêmica de Piscologia e também do Diretório Central de Estudantes (DCE).
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“É inaceitável que dentro de uma instituição de ensino superior, que produz ensino, pesquisa e extensão, tendo como principal objetivo de estudo as fontes de conhecimento, tenhamos atitudes racistas em sala de aula, principalmente disparada por docentes”, diz trecho de uma das notas.
Em entrevista ao Hugo de Oliveira, de 21 anos, acadêmico de psicologia do 5º semestre e integrante do Grupo Kilombo Cassangue, relatou que os casos de racismo dentro da instituição não são casos isolados e acontecem, principalmente, dentro das salas de aula.
“É uma segregação pura, as pessoas se fecham, riem, as pessoas fazem comentários atravessados, e , justamente, os alunos excluídos na sala de aula são as pessoas negras. Tem uma segregação muito forte no curso, tem um racismo explícito por parte dos professores”, relatou Hugo.
Além disso, o acadêmico destacou que há um favoritismo de professores brancos para com alunos também brancos, onde são dadas vantagens e privilégios em detrimento dos acadêmicos negros.
“A gente percebe que professores brancos, de maneira geral, implicitamente, acabam favorecendo alunos brancos, e, dentro de sala de aula, as pessoas se fecham em grupinhos, acabam não abarcando uma pessoa negra, que já é minoria no curso, então a gente percebe, nas nuances, nos detalhes, a gente vai percebendo, só que teve casos que foram mais agravantes, que foram acumulando ao longo do tempo”, desabafou.
Hugo exemplificou dois casos de racismo recentes, por parte de professores. O primeiro deles, foi um docente que fez uma “piada”, fora da sala de aula, dizendo que o grupo de alunos “por serem negros, seriam ladrões” e saiu rindo. Nesse momento, os acadêmicos relataram que demoraram a entender que haviam sido vítimas na situação, diante da tonalidade de voz do professor e o racismo velado dentro da instituição.
O segundo caso foi de uma professora que disse, em sala de aula, que era “pós-doutora em racismo” já que havia respondido a um processo pelo crime e continuava dando aulas na UFMT.
“Psicologia trata as pessoas”
Hugo destacou ainda que o curso de psicologia é muito difícil, não só pela carga de disciplinas teóricas e práticas, mas também pelo fato de ser uma profissão que “trata de pessoas” e que é impossível cursa-lo sem trazer a questão etnorracial.
“Hoje no nosso curso a gente tem uma disciplina [etnorracial], logo no primeiro semestre do curso, só que a gente vê que as pessoas não aderem a ela, as pessoas a veem como uma disciplina qualquer, mais uma carga teórica, colocando um peso negativo em uma disciplina tão importante”, disparou.
Instituição desencoraja vítimas
Sobre a posição da UFMT diante dos casos de racismo, o acadêmico disse que a instituição tem desencorajado as vítimas na hora de fazer as denúncias, sempre prezando por “reuniões a portas fechadas” sem a presença de representantes do Coletivo Negro.
Além disso, Hugo citou que, durante uma assembleia nesta segunda-feira (09), após o relato de uma colega estudante e negra, sobre os casos de racismo que enfrentou ao longo do curso, um representante da Coordenação subiu ao palco e começou a falar sobre o processo burocrático em se fazer denúncias desse tipo e em seguida criticou o Kilombo Cassangue, falando que o grupo “precisa ser mais educativo” e que é necessário a criação de fóruns.
“O Kilombo já fez um fórum e a coordenação não auxiliou em nada. Foi muito forçado a coordenação e os professores falarem de burocracia, falarem que a gente precisa de formação, de fóruns. A gente vai tirar um dia específico para fazer a formação com os servidores e fica por isso mesmo, o sentimento mesmo é de impunidade”, afirmou Hugo.
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Hugo de Oliveira, de 21 anos, acadêmico de psicologia do 5º semestre e integrante do Grupo Kilombo Cassangue e denuncia casos na instituição
O Kilombo
O acadêmico de psicologia destacou a importância do Kilombo Cassangue, dizendo que faz parte desde o primeiro semestre e que foi por meio desse Coletivo Negro, específico de psicologia, que ele “conseguiu se encontrar”.
“Eu entrei na graduação muito perdido ainda, me entendendo ainda como pessoa negra, e acho que foi um espaço justamente para valorizar isso que eu já tinha dentro de mim, me fortalecer tanto academicamente quanto como pessoa mesmo, porque a gente se reunia, a gente conversava, isso dentro dos nossos encontros quanto no dia a dia mesmo”, afirmou.
Hugo disse que, devido às demandas do curso, o grupo acabou deixando as reuniões e encontros de lado, mas que, após os casos recentes, “voltou com tudo”
“Foi justamente num momento bem crítico no curso que surgiram esses episódios de racismo, tanto recentes quanto um pouco mais no passado, e ainda tem com certeza mais que vão surgir. As pessoas vão se empoderando, vão tomando consciência do que elas passaram, é um processo, e agora a gente está voltando à ativa”, disse.
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O outro lado
O entrou em contato com a UFMT sobre os casos de racismo dentro da instituição, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para manifestação.