Produtores rurais de Mato Grosso têm se preocupado com a sucessão familiar no segmento no estado. Seja na agricultura ou na criação de animais, dados do Instituto Brasileiro de Governança Cooperativa (IBGC) apontam que 72% das empresas do Brasil não possuem planos de continuidade para os herdeiros.
Dentro da dinâmica do agro, a manutenção do legado chega a ser delicada em razão da resistência dos sucessores com o ramo e ainda a estruturação da empresa em acordos societários – fato que pode ocasionar conflitos internos. Entretanto, a estruturação do negócio dentro da família é um meio seguro para garantir a longevidade da empresa dentro dos herdeiros.
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A preparação para um bom planejamento sucessório pressupõe “sangue frio”, já que é um processo em que a morte é muito comentada e pode haver tensões entre os herdeiros. Com isso, a construção de um acordo de sócios em uma empresa familiar é mais difícil, uma vez que uma família está sempre em ponto de ebulição de conflitos – principalmente quando se trata de dinheiro.
Os acordos de sócios estabelecem as normas do negócio entre os herdeiros. Mesmo que eles continuem sendo família e tenho direito a propriedade, estar na empresa não é uma obrigação. Caso ele queira se juntar no futuro, o acordo estabelece os protocolos e condições.
Annie Souza
Luize Castro, especialista em Direito Empresarial, alerta as famílias que é preciso ter governança empresarial mais firme para que o negócio continue
“O fator que mais agrava é porque as empresas familiares estão no mais alto ponto de ebulição de conflito, porque é familiar. No contexto do nosso estado, temos no máximo com 5% de empresas indo para uma terceira geração. A maioria delas está na primeira para segunda ou da segunda para terceira. Por isso, o acordo de sócios é o mais importante para que existam alguns aspectos da governança mais firme”, aponta Luize Castro, especialista em Direito Empresarial.
Na visão da advogada, as “conversas básicas” são as mais delicadas dentro de uma empresa familiar. Ao definir o regimento da empresa no acordo societário, a família pode ter dificuldades em definir a hierarquia com um olhar menos passional.
“São conversas corajosas que precisam ser enfrentadas, porque, às vezes, um filho pode se sentir preterido em alguma decisão livre. Quando você estrutura esses pontos chaves no acordo de sócios, você consegue, a partir dali, mediar esses conflitos da melhor forma possível. Cresce como se fosse um consenso assim que definimos essas diretrizes. As partes entendem que, a partir daqui, não é laço de sangue, não é mamãe, não é papai. Aqui é negócio”, explica Luize.
Resistência com o Agro
Em Mato Grosso, o agronegócio se consagra como principal eixo econômico do estado. O universo de agricultura ou pecuária não é atrativo aos herdeiros que já crescem com as oportunidades de tecnologia e comodidade. Entretanto, ainda é um meio com possibilidade de agregar muitos talentos, ainda que não haja afinidade.
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Filha de produtor de soja de Sorriso, Aline Beledelli: estudo e retorno
Filha de um produtor de soja de Sorriso (a 397 km de Cuiabá), Aline Beledelli retomou o desejo de viajar o mundo junto à empresa do pai. Formada em Comércio Exterior, a jovem não desejava trabalhar na fazenda e queria ser diplomata. Mesmo que tenha crescido dentro da agricultura, Aline só voltou ao meio na época de seu Trabalho de Conclusão de Curso. Durante a busca do tema, surgiu a oportunidade de fazer um estudo sobre exportação da produção de grão-de-bico em seu Município.
“Isso que me trouxe de volta pro agro, na verdade. Eu não achava que eu fosse voltar e aí fazendo esse trabalho várias oportunidades apareceram. Eu fui para Dubai com a cooperativa para achar parceiros, compradores e, quando eu vi, eu estava de volta”, comentou.
Com o conhecimento aplicado no mundo do agro, Aline começou o projeto de modernização da fazenda junto aos seus primos, estruturando as normas do negócio e sistematizando os processos. Em seu primeiro ano, a jovem organizou o patrimônio em uma holding e há uma programação de doação de cotas para a sucessão. Além disso, há um contrato de governança que protocola o que e de que forma é decidido dentro da empresa.
Embora não houvesse a pretensão de conduzir o negócio da família, houve uma boa vontade por parte da herdeira. Para Luize, independente da afinidade do herdeiro, os proprietários devem estimular os filhos a trazerem seus talentos para o negócio familiar, independente de qual seja.
“Os avós, os pais devem passar esse legado de que é possível o herdeiro, sucessor, ser quem é dentro da empresa, usando todas as suas forças, competências e as suas boas habilidades dentro do negócio da família. Por exemplo, caso o sucessor queira trabalhar com marketing. Ao invés de montar uma empresa só disso, ele já tem uma empresa pujante na mão. Para que começar do zero em outro lugar? Melhor fazer dentro”, pontuou a especialista.
Mudança de rota
O planejamento sucessório, entre outros elementos, evita surpresas. Diante da morte do pai, a empresária paulistana Flávia Raucci cogitou em vender a propriedade em Barra do Garças (a 522 km de Cuiabá). Vinda do ramo têxtil, entrar de vez mundo da pecuária, entre as cotações de arroba e rotina de terminação, não passava pela cabeça determinada de Flávia em vender a fazenda.
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Empresária paulistana Flávia Raucci quase vendeu a propriedade em Barra do Garças; consultoria da Acrimat a fez mudar de rumo
Entretanto, a empresária foi aconselhada por Téia Fava, diretora da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), e resolveu dar uma chance. Desde então, Flávia passou o primeiro ano de sua “gestão” transformando a fazenda em números e construindo a parte contábil. Paralelamente, ela também estruturou a propriedade em uma empresa e organizou o patrimônio para os três filhos – duas mulheres e um adolescente.
“Além de estar no sistema as informações, elas vieram para minha cabeça. Organizar tudo primeiro foi muito importante, porque como que eu vou incentivar meus filhos se eu não tenho uma coisa organizada? Já é o pior incentivo do mundo. Era uma dificuldade que eu sentia, mas agora transformamos a fazenda hoje em uma empresa, tem números, eu controlo o meu rebanho pelo sistema, tudo foi organizado”, detalha.
Junto a aproximação da criação de gado de corte, as filhas, uma nutricionista e uma advogada, já tem se especializado em ramos voltados ao agronegócio em suas respectivas áreas.
Flávia administra a fazenda Alvorada há três anos. Embora more em São Paulo (SP), a empresária vem com o marido para Barra do Garças, pelo menos, mensalmente. Além disso, está inserida no grupo da Forbes de 50 Mulheres do Agro.
Mesmo que a pecuária não seja a atividade mais fácil ou que remunera mais dentro agronegócio, Flávia detalha que não poderia estar mais realizada por ter dado a chance de continuar o legado do pai.
“Parece que eu faço isso há 54 anos, o tempo da minha existência. É um mundo que você tem que mergulhar e, a partir do momento que você mergulha, tudo começa a fazer sentido. Não é um bicho sete cabeças, mas o diferencial é o amor e a boa vontade de estar disposto a fazer acontecer”, completa.