4 sítios arqueológicos com potencial turístico estão abandonados em MT | …

Suzana Hirooka

S�tio arqueol�gico Santa Elina

Sítio arqueológico Santa Elina, na serra das Araras, em Jangada, é o mais importante de Mato Grosso 

Quatro sítios arqueológicos, com vasta relevância cultural e histórica em Mato Grosso, têm grande potencial turístico, mas estão abandonados e sem plano de visitação, afirma a arqueóloga Suzana Hirooka: Santa Elina, Pedra Preta, Gruta Kamukuwaká e Portão do Inferno.

Mato Grosso possui 1.750 sítios arqueológicos, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan), mas acredita-se que ainda existem pontos a serem descobertos. Muitos destes poderiam se tornar potenciais turísticos e ter investimentos, mas não é isso que acontece.

O Abrigo Rupestre Santa Elina, na Serra das Araras, em Jangada (a 76 km de Cuiabá), é o mais importante deles, avalia a especialista. O sítio é formado por uma dobra calcária da Bacia do Paraguai e apresenta sedimentos de sucessivas ocupações humanas nos últimos 6 mil anos.  

“Ele foi escavado por 30 anos em uma missão francesa junto com a Universidade de São Paulo e foram encontrados muitos objetos, pois ele tem uma especificidade geológica muito importante. A parte de cima e de baixo são de calcário, então o solo que ficou não pega umidade e o próprio calcário já tem a propriedade de preservar. Na arqueologia é muito difícil ter objetos orgânicos, são mais inorgânicos como cerâmica, ferramentas de pedra. Em Santa Elina foram encontradas sandálias feita de palha, como uma havaianas, muitas sementes, fibras emaranhadas para serem usadas para chá, muitas contas de colar e fósseis da megafauna extinta, o que é muito raro –  a associação de artefatos humanos com fósseis de animais extintos”, explica.

Suzana Hirooka

S�tio arqueol�gico Santa Elina

Gravuras encontradas  no sítio arqueológico Santa Elina. Nolocal também descobriu-se a ossada de uma preguiça gigante exitinta

Este sítio é considerado o segundo mais antigo do Brasil pela presença de vestígios humanos. Nele foi encontrada a ossada de uma preguiça gigante, extinta há 10 mil anos. No sítio descobriu-se mais de 25 mil artefatos e dentre eles, vários comprovam a convivência humana e da fauna. As escavações tiveram início em 1985 e, após 17 anos, de trabalho foram catalogados mil representações rupestres em forma de figuras humanas e animais, indícios de fogueiras e inscrições em pedra. Também foram identificados 800 fragmentos de ossos, entre vértebras, ombros e dentes de uma preguiça de cerca de cinco metros, que viveu na região há mais de 10 mil anos.

“Essa mega fauna de 10 mil anos atrás viviam no período glacial, um período mais frio, campo cerrado, poucas florestas e animais gigantescos andando aqui. Então temos um sítio arqueológico que tem um alto significado a nível da história da entrada do homem no continente Americano. No entanto, está abandonado, como todos de Mato Grosso. Não existe nenhuma política com ação de conservação de sítios arqueológicos com arte rupestre no estado. E, com o avanço do agronegócio, vemos que esses sítios têm sofrido mais impactos que não foram estudados, a exemplo do agrotóxico que são despejados de avião.  O que acontece com essa pintura quando o vento bate e prega nesses paredões?”, questiona a especialista.

Rodinei Crescêncio/Rdnews

arque�loga Suzana Hirooka entrevista da semana

A Santa Elina faz parte de uma área particular, uma fazenda. Então, fica a montanha, o abrigo, poucos metros de vegetação e depois a soja, onde antigamente era pasto. Nesses 30 anos houve mudanças no uso e ocupação do espaço, mas o sitio arqueológico continua no local.

“Um ponto preocupante é que os franceses ficaram 30 anos explorando, tiraram material para fazer trabalhos de doutorado e mestrado, e deixaram para os mato-grossenses o sítio quase extirpado, um buraco de 15 metros de profundidade e 20 de comprimento que não foi reconstituído”, critica.  

A arqueóloga critica também a falta de ação mais efetiva do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. “O Iphan acaba indo só depois que acontece o desastre, como aconteceu na Gruta do Kamukuwaká, da mitologia xinguana, que tinha várias inscrições e foi completamente destruído”, afirma.

Frei Canuto

Em Chapada dos Guimarães (a 65 km de Cuiabá), o sítio arqueológico “Lapa do Frei Canuto” é um dos mais estudados da região e apresenta manifestações artísticas que contam a história de diversos povos. É um paredão de 60 metros de comprimento, por três metros de altura, e está localizado na Ponta do Campestre, no limite entre Chapada e Cuiabá.

“Esse sítio é conhecido há muitos anos, tem pichações milenares e é de uma beleza bem marcante. Ele é explorado turisticamente esporadicamente, não é licenciado. Entendemos que tem zonas dessa arte rupestre que precisam ser preservadas, uma vez que você mexe no ecossistema você acelera o processo de degradação desses sítios”, afirma Suzana.

A preservação até os dias de hoje se deve principalmente à essa estrutura do local em forma de um “abrigo de pedra”, que protege as pinturas das do clima. O local é de difícil acesso.  

Pedra Preta

Localizado na Amazônia Meridional, no alto rio Tapajós, o sítio arqueológico Pedra Preta de Paranaíta situa-se numa área drenada por numerosos cursos d’água e é constituído por um grande bloco granítico que emerge em meio à floresta até uma altura de 37 metros.

Pascom

S�tio arqueol�gico Pedra Preta de Parana�ta

Sítio arqueológico Pedra Preta de Paranaíta. Nele, há desenhos gigantescos, conforme explica a arqueóloga Suzana Hirooka

“Ela fica no topo de uma montanha de basalto, tem desenhos gigantesco. As figuras chegam a ter mais de 100 metros de comprimento. É um sítio que, pelo fato de estar no alto e tomar muito sol, tem muitos desplacamentos. Então, pra você ver tem que ir em um determinado horário, para que o ângulo do sol permita a visualização”, ressalta Suzana Hirooka.

Há estudos que mostram que o sítio teve grande importância, dado à magnitude do próprio suporte natural, e à riqueza dos painéis e grafismos que ostenta. “É um sítio que precisa ter uma ação de preservação vigente, porque é único, não se conhece no Brasil um sítio dessa magnitude”, explica.

Pascom

S�tio arqueol�gico Pedra Preta de Parana�ta

Gravuras gigantes no sítio arqueológico Pedra Preta de Paranaíta. Riqueza dos painéis e grafismos chamam a atenção

Gruta do Kamukuwaká

O sítio arqueológico gruta do Kamukuwaká foi habitado por pelo menos cinco gerações dos povos do alto Xingu. Localizado em Paranatinga, às margens do rio Batovi, o local é quase um “ livro do conhecimento”, onde estão os ensinamentos dos rituais dos povos indígenas do Xingu. As gravuras nas paredes da caverna são a base da cosmologia, costumes e da história ancestral indígena e inspiram rituais tradicionais no Xingu, danças, canções, pinturas corporais e decoração de cerâmica.

No entanto, não está devidamente demarcada e oficializada como sítio arqueológico e já foi, inclusive, alvo de vandalismo e depredação das gravuras. 

Vilson de Jesus/Divulgação BBC News Brasil

Sítio arqueológico Kamukuwaká guarda registros de conhecimentos indígenas

Sítio arqueológico Kamukuwaká guarda registros de conhecimentos indígenas

O sítio arqueológico foi tombado como patrimônio cultural em 2010 pelo Iphan e fica dentro de uma fazenda particular. Desde a década de 1960 os Wauja reinvindicam que a gruta sagrada e seu entorno, incluindo a nascente do rio Batovi sejam anexados ao território Indígena do Xingu.

Em 2018, os desenhos talhados nas paredes foram destruídos, o que foi considerado um ataque cultural calculado para apagamento da memória Indígena. “Ela é uma fonte de conhecimento da mitologia xinguana e várias inscrições foram totalmente destruídas, alguém bateu com martelo em todos os símbolos, destruiu tudo. Isso precisa ser preservado”, pontua.

Os proprietários das regiões também não permitem que os indígenas entrem no local para ter acesso aos conhecimentos milenares.

Suzana Hirooka

S�tio arqueol�gico Gruta do Kamukuwak�

Sítio arqueológico Gruta do Kamukuwaká foi tombado como patrimônio cultural em 2010 pelo Iphan e fica dentro de uma fazenda particular

Portão do Inferno

O sítio do Portão do Inferno registra presença humana 4 mil anos antes de Cristo. Estudos apontam que grupos humanos pré-históricos se abrigaram em diversos espaços rochosos do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, fizeram fogueiras, deixaram vestígios de objetos e fizeram pinturas ou gravuras nas rochas de arenito, entre eles no trecho do Portão do Inferno.

No local há cinco painéis, sendo quatro compostos por gravuras com símbolos geométricos e um de pintura. Também foram encontrados vestígios de fogueiras, que ficavam numa parte mais abrigada do paredão, além de ossos e um fragmento lítico. “Há um egoísmo científico do pesquisador. O Portão do Inferno é o melhor sítio pra fazer o turismo, mas os pesquisadores falam que não pode fazer turismo. Por que o próprio governo não se movimenta e se prepara para a realização desse turismo?”, questiona.

A autorização para o plano de visitação pode ser pedida tanto pela Secretaria de Turismo, quando por uma agência de turismo. A autorização deve ser dada pelo Iphan. “As pessoas têm curiosidade e aqueles símbolos podem movimentar a economia, estar em canecas, camisetas, como já acontece no Piauí. A Serra da Capivara tem uma fábrica de cerâmica, onde explorou os símbolos que estão nos sítios arqueológicos”, critica a arqueóloga, que acredita que falta um olhar e investimento nessa área.

Outro lado

De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec), o Santa Elina é uma área privada de fazenda e não dispõe de plano de visitação previsto. Já o de Pedra Preta, também é uma fazenda, constituída como Unidade de Conservação Municipal (Monumento Natural) e sispõe de plano de uso público provisório, mas que já está vencido. O sítio do Portão do Inferno pertence a área do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (ICMBio), embora se tenham áreas em sobreposição pela Estrada Parque Rodovia MT–251 (Sema-MT). Já referente a Gruta Kamukuwaká, não há informações sobre o andamento.  



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