Acessar as mensagens trocadas entre criminosos pode ser uma tarefa complicada e demorada para as autoridades, atrasando e, em certos casos, inviabilizando investigações. Para superar este obstáculo, o FBI teve uma ideia ousada: criar sua própria plataforma de mensagens criptografadas e fornecê-la para bandidos.
Detalhes dos bastidores dessa história, que resultou em uma grande operação policial internacional deflagrada em 2021, estão no livro Dark Wire: The Incredible True Story of the Largest Sting Operation Ever. A obra, escrita pelo jornalista Joseph Cox, foi lançada em junho deste ano.
Batizada de Anom, a empresa de telefonia criptografada do Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos (FBI) foi criada como uma startup convencional, para não levantar nenhuma suspeita. O projeto incluiu a contratação de desenvolvedores e todos os profissionais necessários para uma empresa como esta.
O objetivo era criar smartphones supostamente seguros para o crime organizado. Mas o que os usuários não sabiam é que esses aparelhos permitiam acompanhar suas mensagens em tempo real, monitorando a comunicação de pessoas envolvidas com diferentes atos ilícitos.
Como funcionava o “celular do FBI”?
O app de mensagens criptografadas do FBI nasceu com o objetivo de substituir plataformas de comunicação seguras convencionais para um público específico. Ele vinha em um celular customizado pela Anom que era distribuído exclusivamente para o submundo do crime.
Aparentemente, o “celular do FBI” era um dispositivo convencional, mas havia alguns diferenciais. Basicamente, toda a comunicação entre os usuários acontecia por meio de um app ativado com um código enviado pela startup e que afirmava ser à prova de monitoramentos.
Para evitar que as pessoas trocassem a plataforma por outros apps de mensagens, a Anom lançava atualizações com frequência, adicionando novas funções. O serviço acabou se transformando em uma rede social do crime, com compartilhamentos de fotos, vídeos e outros conteúdos.
Esse celular com o “WhatsApp do crime organizado” instalado custava cerca de US$ 2 mil (cerca de R$ 10 mil na cotação atual) e começou a ser vendido para chefes de gangues e cartéis com a ajuda de informantes e agentes disfarçados. Por meio de indicações, ele chegou a mais pessoas.
O que o FBI descobriu monitorando os criminosos?
De acordo com o livro que aborda o assunto, cerca de 12 mil celulares do FBI foram vendidos, permitindo que agências de segurança pública de vários países acessassem uma ampla quantidade de dados. Estima-se que mais de 300 organizações criminosas tenham trocado mensagens pela plataforma.
Com tantas pessoas usando o app da Anom, incluindo inocentes que compraram o telefone criptografado por engano, as forças policiais obtiveram um volume impressionante de conteúdos. Pelo menos 27 milhões de mensagens trocadas entre criminosos foram interceptadas durante o projeto.
Em meio a elas, havia discussões relacionadas a planos de importação de drogas, devido ao grande número de traficantes aproveitando a tecnologia. Conversas descrevendo tramas de assassinatos, combinando espancamentos e os mais variados tipos de ilegalidades também foram visualizadas.
Além dos textos, os envolvidos na iniciativa obtiveram imagens de toneladas de drogas trocadas sem qualquer receio pelos usuários. Por meio de algumas dessas fotos, os agentes conseguiram descobrir como a cocaína era transportada escondida em veículos.
Grande operação policial internacional
Todo o conteúdo coletado nos celulares vendidos pelo FBI foram essenciais para a realização da operação “Trojan Shield”, que começou a ser planejada em 2018. Deflagrada no dia 7 de junho de 2021, ela se tornou uma das maiores operações policiais da história.
Ocorrendo simultaneamente em vários países, a ação teve mais de 500 criminosos presos, com cerca de 220 deles detidos na Austrália. No país da Oceania, também foram apreendidas 3 toneladas de cocaína e o equivalente a R$ 175 milhões em espécie.
Houve, ainda, a apreensão de toneladas de maconha e haxixe e mais de 300 armas de fogo, considerando todos os locais. Outros países com grandes quantidades de detidos foram a Holanda e a Suécia — neste último, o monitoramento evitou pelo menos 10 assassinatos.