Rodinei Crescêncio/Rdnews
A representação feminina no Brasil ainda enfrenta uma grave distorção entre o tamanho do eleitorado feminino e os percentuais de sua representação no Poder Legislativo e Poder Executivo em âmbitos federal, estadual e municipal. Apesar das mulheres representarem 52,2% do eleitorado brasileiro, sua participação efetiva na política é muito menor.
Estatísticas de Representação nos últimos 20 anos
No Poder Legislativo Municipal, tivemos um pequeno crescimento de vereadoras em mandato nos últimos 20 anos:
· 2000: 6.992 candidatas eleitas (11,58% do total de vagas)
· 2004: 6.548 candidatas obtiveram êxito (12,63% do total de vagas)
· 2008: 6.453 alcançaram o cargo (12,50% do total de vagas)
· 2012: 7.656 (13,33% do total de vagas)
· 2016: 7.809 (13,50% do total de vagas)
· 2020: 9.303 (16,05% do total de vagas)
A situação não é diferente no Poder Executivo:
· 2000: 318 prefeitas eleitas (5,7%)
· 2004: 406 eleitas (7,4%)
· 2008: 498 eleitas (9,05%)
· 2012: 654 eleitas (11,85%)
· 2016: 635 eleitas (11,62%)
· 2020: 656 eleitas (12,05%)
Evolução da Legislação e Jurisprudência
Para enfrentar esse cenário dramático, a legislação e a jurisprudência têm evoluído no sentido de assegurar direitos e estimular a participação feminina na política.
A legislação
Temos, na legislação, quatro importantes medidas para estimular a participação feminina na política:
· Obrigatoriedade de destinação do tempo de propaganda partidária gratuita em rádio e televisão para a difusão da participação de mulheres na política
· Aplicação de parcela de recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de iniciativas direcionadas à promoção da participação política feminina + destinação de 30% das verbas obtidas a candidaturas femininas
· Realização, pelo TSE, de propaganda institucional destinada à promoção de igualdade de gêneros na política
Promoção formal da igualdade de gênero
Apesar dessas medidas, de acordo com dados da área de jurisprudência do TSE, em relação às eleições municipais de 2020, pelo menos 38 acórdãos do Tribunal resultaram em cassação de eleitos por partidos que, comprovadamente, descumpriram a regra.
As mulheres, em tais casos, figuram como candidatas apenas formalmente, pois não possuem a intenção de disputar um mandato eletivo; não fazem campanha; e muitas vezes sequer votam nelas mesmas.
Esse avanço na promoção formal da igualdade de gênero não foi acompanhado por mecanismos que coibissem o uso de “candidatas laranja”, nem de previsão legal que estabelecesse uma punição diante de seu descumprimento.
Tal lacuna foi preenchida jurisprudencialmente, de forma que tais situações passaram a ser apuradas como fraudes às cotas de gênero ou como abuso de poder (político).
Novidade: Súmula 73
A recente publicação da Súmula 73 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reforça esse compromisso, estabelecendo critérios claros para identificar e punir fraudes relacionadas ao cumprimento do percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas, conforme estipulado pelo art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997.
Elementos que Configuram a Fraude:
· Votação Zerada ou Inexpressiva: Indica candidaturas fictícias.
· Prestação de Contas Zerada, Padronizada ou Ausência de Movimentação Financeira Relevante: Sugere a inexistência de uma campanha efetiva.
· Ausência de Atos Efetivos de Campanha: Aponta para candidaturas não reais.
Penalidades para a Fraude:
– Cassação do DRAP: A legenda partidária e os diplomas dos candidatos vinculados podem ser cassados, independentemente da participação direta dos candidatos na fraude.
– Inelegibilidade: Participantes ou anuentes da fraude podem ser declarados inelegíveis.
– Nulidade dos Votos e Recontagem dos Quocientes: Os votos do partido fraudulento serão anulados e haverá recontagem dos quocientes eleitoral e partidário.
Cassação da chapa
A Súmula 73 autoriza juízes eleitorais e tribunais regionais eleitorais (TREs) a reconhecer a fraude e cassar toda a chapa do partido envolvido, mesmo que outros candidatos não tenham conhecimento ou participação direta no crime eleitoral. Isso reforça a responsabilidade coletiva da legenda partidária e garante que a integridade do processo eleitoral seja preservada.
Conclusão
A implementação da Súmula 73 representa um avanço significativo no fortalecimento das cotas de gênero e na promoção da igualdade de oportunidades na política brasileira. Ao estabelecer critérios objetivos para identificar e punir fraudes, o TSE envia uma mensagem clara de que práticas fraudulentas não serão toleradas, assegurando que as candidaturas femininas sejam reais e efetivas, contribuindo para uma representatividade mais justa e equitativa nos espaços de poder.
Esta nova regulamentação é um passo crucial para garantir que a legislação sobre cotas de gênero cumpra seu propósito de aumentar a participação das mulheres na política, promovendo uma democracia mais inclusiva e representativa. A evolução da legislação e da jurisprudência, como evidenciado pela Súmula 73, é essencial para corrigir as distorções existentes e assegurar que todos os segmentos da sociedade brasileira tenham voz e representação nos processos decisórios.
Mariana Bonjour é advogada e consultora política. Escreve com exclusividade para esta coluna às sextas-feiras