Como seres humanos sofremos de vieses comportamentais, ou seja, erros sistemáticos no pensamento que influenciam nas tomadas de decisões que temos em nossa vida. A psicologia e a economia comportamental são as áreas que tem se dedicado ao estudo e entendimento desses fenômenos, graças ao brilhante trabalho dos psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman na década de 1970.
Vieses cognitivos são distorções, desvios ou alterações em nossos pensamentos e julgamentos referentes a alguma coisa, situação, pessoa ou objeto. São atalhos mentais que nos permitem processar informações com mais eficiência.
Entretanto, nem sempre as decisões tomadas são favoráveis a nós mesmos. São diversas situações da vida que estão passíveis de vieses cognitivos, incluindo as relacionadas à saúde e ao exercício físico.
Entenda, a partir de uma circunstância comum do dia a dia – do levantar do sofá até se exercitar em uma academia – como somos afetados pelos vieses cognitivos.
O levantar (ou ficar) do sofá
O sair do sofá após um dia de trabalho cansativo para fazer exercícios pode se tornar uma difícil tarefa, pois valorizamos mais benefícios imediatos em relação aos possíveis ganhos futuros, o que caracteriza o desconto hiperbólico.
Quando a prática de exercícios – que envolve recursos imediatos como tempo, esforço e energia, além de às vezes dinheiro – é motivada somente por benefícios posteriores (como saúde e estética), ocorre um enfraquecimento do valor que damos àquela atividade.
A partir do viés do presente, entendemos que valorizamos mais uma recompensa instantânea do que esperar para ter uma gratificação mais adiante. Assim, Netflix 1 x 0 Academia.
A ciência tem investigado como podemos reverter esse cenário vencido pelo sofá e streamings (inatividade física), desenvolvendo teorias para explicar o fenômeno. A principal delas, coloca como ingrediente fundamental a memória afetiva dos exercícios e esportes, influenciando nossa decisão.
Diversão e prazer no exercício são fatores que pesam para o lado ativo na decisão mental que passamosFonte: GettyImages
A ida na academia
Ao chegar na academia, você pode ser vítima do viés da ancoragem: quando existe uma âncora de preços na mensalidade: a mais cara é a mensalidade avulsa, com o preço no alto.
A partir da exposição desse preço, se ancora planos mais baratos para o praticante: trimestral, semestral ou anual. Porém, a primeira exposição exerce influência na tomada de decisão.
A dica é tomar cuidado com os planos anuais cobrados no cartão de crédito, uma vez que pesquisas mostram que apesar de 86% continuarem pagando, apenas 17% frequentam a academia no primeiro ano. Talvez essas pessoas experimentem o viés de status quo – a tendência da pessoa de manter a situação como está, como ficar pagando o plano anual de academia no cartão de crédito, mesmo sem frequentá-la. A inércia prevalece, mesmo não sendo a melhor opção.
Finalmente: o momento do treino na academia
Sofremos do viés de confirmação quando damos mais atenção aos aspectos que já acreditamos ser mais eficientes no treino, nos fechando para novas evidências. Às vezes isso pode nos custar, tempo, energia e dinheiro, pois aquela crença pode não ser a melhor forma.
Dentro de uma academia, existem diversas crenças que dificultam a relação das pessoas com exercícios. Uma das mais fortes é sobre a necessidade de treinar até a falha muscular concêntrica, essa crença parece estar enraizada profundamente na mente de alguns praticantes, sem aberturas para mudanças frente às evidências atuais que mostram o contrário.
Outros acreditam veementemente que pesos livres são melhores que máquinas para hipertrofia. As pessoas podem ter também um viés de conservadorismo sobre suas crenças, como acreditar que o exercício de “cardio” é a única maneira efetiva para o emagrecimento, pois ouviram muito isso antigamente.
Quando acreditamos que temos apenas duas opções disponíveis, sofremos do viés de falsa dicotomia, como achar que existe apenas corrida ou musculação como forma de exercícios físicos. Em algumas dessas situações, podemos ser influenciados pelos demais, caracterizando o efeito manada, como buscar praticar a modalidade esportiva que está na moda – a corrida de rua, no momento que eu escrevo isso.
Academias tem se mostrado ambientes compostos por pessoas repletas de crençasFonte: GettyImages
Já percebeu como as pessoas mudam seu comportamento e tentam fazer melhor quando são observadas? Dentro de uma academia pode-se ter os ego lifters, que levantam peso para alimentar o próprio ego, mostrando o lado ruim desse efeito conhecido como Hawthorne.
Por outro lado, esse é o efeito que explica os melhores resultados de treinar com companhia (amigos ou profissionais do exercício), conforme demonstrado em estudos.
Algumas pessoas sofrem com ansiedade social na academia. O efeito holofote descreve a tendência que temos de superestimar o quanto as outras pessoas nos notam.
Tendemos a pensar que há um holofote sobre nós o tempo todo, destacando nossos erros ou falhas para que todo mundo veja, como algumas pessoas se sentem em uma academia lotada. Alguns ainda, sofrem com a ilusão de transparência – uma crença equivocada de que nossos pensamentos e sentimentos internos são visíveis para aqueles que nos rodeiam, mas não são.
O que lembramos do treino
Quando me referi à memória afetiva como importante para a decisão de levantar do sofá ou não, sabemos que não conseguimos gravar e lembrar de cada experiência que vivemos de maneira íntegra e completa.
A regra pico-fim é o viés de memória que sofremos ao julgar uma experiência com base em como nos sentimos no momento mais intenso (pico) e na finalização (fim) dela, em vez de sua totalidade. Apenas essas partes ficam gravadas na nossa memória.
Ainda, temos nossa memória afetada pelos nossos estados emocionais do momento, o que chamamos de viés do humor sobre a memória. Há uma congruência do que gravamos na memória com nosso humor. Se alguém tem seu humor melhorado a partir de uma sessão de exercícios, ele tem mais chance de lembrar de memórias positivas do exercício.
O contrário também é verdadeiro, com informações ou experiências negativas provenientes de um treino, afetando a memória negativamente. A dica é cuidar com o último exercício realizado no treino, sendo importante finalizar com uma atividade prazerosa.
Se um treino é curto ou longo, isso pouco importa para a memória do que fizemos. A duração total da experiência é negligenciada (viés de negligência da duração) e tem pouco efeito na nossa memória, sendo como nos sentimos mais importante para o julgamento, ou seja, o quão prazerosa ou desprazerosa foi a experiência.
Agora que já conhecemos alguns dos vieses cognitivos aplicados aos exercícios, por último, mas não menos importante, é preciso cuidado com o viés do ponto cego.
A partir dele, podemos nos perceber menos suscetíveis aos vários tipos de vieses cognitivos que existem, por saber que eles existem, comparado à população. O conhecimento não nos garante que estaremos livres do efeito deles, mas pode ser um caminho para uma melhor experiência.