A Academia Brasileira de Letras (ABL) inaugurou na última terça-feira (5) um avatar do escritor Machado de Assis que não apenas recepciona o público durante visitas guiadas à sede da instituição no Rio de Janeiro, mas também conversa com os visitantes e responde a perguntas sobre sua vida e obra, algumas bastante polêmicas.
O projeto da versão digital do primeiro ocupante da cadeira 23 da ABL foi desenvolvido através de uma parceria da instituição com a empresa gaúcha Euvatar Storyliving, que utiliza inteligência artificial para criar avatares humanizados. Além de modernizar a academia, o objetivo do projeto é atrair públicos mais jovens para a leitura.
Para ressuscitar digitalmente o chamado “Bruxo do Cosme Velho”, foram necessários mais de três meses para treinar o banco de dados, formado principalmente pelas próprias obras literárias do escritor e estudos sobre ele desenvolvidos na ABL. Para o presidente da instituição, jornalista Merval Pereira, a ideia foi incorporar o estilo literário, a personalidade e os traços físicos do autor.
A identidade étnico-racial de Machado de Assis
Uma questão que chama a atenção no primeiro contato com o avatar do escritor é que a cor da sua pele foi um pouco embranquecida pela Euvatar. Para a fundadora da empresa, Flávia Peres, a imagem é fiel à que foi aceita pela ABL.
Mas o avatar machadiano não tem dúvidas. Indagado por um repórter, ele respondeu: “Como homem negro, nascido de origem pobre no Rio de Janeiro do século 19, eu enfrentei desafios e preconceitos ao longo do tempo devido à minha raça, classe social e até mesmo devido à minha condição de saúde, como a epilepsia.”.
Assuntos polêmicos respondidos pelo avatar de Machado de Assis
O Machado de Assis digital responde às dúvidas sobre Capitu (Imagem: Reprodução/TV Globo)Fonte: TV Globo
Entre os assuntos mais debatidos sobre sua obra, a versão digital de Machado de Assis teve que lidar com a questão de o autor não ter dados espaço satisfatório para a questão da escravidão, um tema que permeou grande parte de sua vida, de 1839 a 1908.
Reconhecendo que o tema não está presente em sua obra, o avatar do escritor aceita a crítica e diz que, “como escritor negro numa época que procura preconceito e desigualdade, minha própria obra carrega as marcas da afrodescendência e das lutas enfrentadas”, tenta se justificar.
Mas nenhum ponto levanta mais questões do que a dúvida deixada no livro Dom Casmurro: afinal, Capitu traiu ou não Bentinho? Mas a resposta é um tanto evasiva: “A dúvida sobre a suposta traição de Capitu é proposital, convidando o leitor a refletir sobre a natureza da paranoia de Bentinho e a incerteza das relações humanas. É, portanto, um mistério que permanece intencionalmente sem solução”.