2023 na política: relembre as polêmicas no Congresso

Discussões em plenário e em comissões levaram a uma série de representações contra parlamentares de ambos os lados nos Conselhos de Ética das duas Casas. Os trabalhos do Congresso Nacional em 2023 se encerraram no último dia 22 de dezembro. Câmara e Senado se despediram com um “intensivão” de votações de propostas da pauta econômica prioritária do Palácio do Planalto.
O saldo, no entanto, vai além disso. Entre fevereiro e dezembro, as Casas foram palco de embates — por vezes acalorados — entre parlamentares aliados ao governo e de oposição.
Discussões em plenário e em comissões levaram a uma série de representações contra parlamentares de ambos os lados nos Conselhos de Ética das duas Casas — arquivadas em sua maioria. Renderam, ainda, “puxões de orelha” dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
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Câmara e Senado também refletiram insatisfações dos parlamentares junto a acordos dos articuladores políticos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Sem uma base consolidada a princípio, o Planalto sofreu derrotas e precisou ceder comandos de ministérios a partidos do Centrão.
Relembre a seguir, nesta reportagem, as principais polêmicas do ano do Legislativo:
CPIs;
PL das Fake News;
Congresso x STF;
Crise das medidas provisórias;
Governo em desalinho no Congresso;
Centrão na cúpula do governo.
CPIs
Em 2023, no Congresso quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) ganharam destaque. Criadas para apurar diferentes temas, os colegiados chegaram ao fim sem conseguir, na avaliação de parlamentares, avançar nas investigações. Por outro lado, repercutiram pelos registros de confusões e debates acalorados.
A Câmara foi sede de três destas comissões: a que apurou invasões do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); a que investigou manipulações em partidas de futebol e; a destinada a apurar inconsistências financeiras das Americanas. Longe dos holofotes, somente uma delas conseguiu aprovar seu relatório final: a das Americanas. As CPIs do MST e da manipulação no futebol viram seus prazos de funcionamento serem encerrados sem sequer conseguir votar o documento.
Apesar disso, os colegiados da Câmara conseguiram replicar o ambiente belicoso entre parlamentares de oposição e da base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A maior parte veio da CPI do MST, que contou com trocas de acusações e uma série de embates que viraram representações contra deputados de ambos os lados no Conselho de Ética da Casa.
A CPI mista de deputados e senadores, vinculada ao Congresso, criada para apurar os atos golpistas de 8 de janeiro também reproduziu o clima de tensão entre governo e oposição. De um lado, sem provas, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentaram construir a narrativa de que as invasões às sedes dos Três Poderes haviam sido motivadas por uma espécie de autossabotagem do Planalto. Do outro, governistas trabalharam para evitar desgastes e reforçar a influência de movimentos golpistas insuflados por Bolsonaro nos ataques de janeiro.
Com cinco meses de trabalhos, a CPI dos Atos Golpistas foi marcada por bate-bocas. Em uma das ocasiões, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno atacou a relatora dos trabalhos, senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
“Ela fala as coisas que ela acha que tá na minha cabeça. Po**a é para ficar pu**. Pu** que pariu”, disse Heleno em reação a questionamentos de Eliziane.
Mesmo com as frequentes tentativas de desviar a atenção dos trabalhos, a oposição foi derrotada no colegiado. A CPI aprovou, por 20 votos a 11, um relatório final que propôs o indiciamento de Bolsonaro (PL) e aliados do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Foram indiciados 5 ex-ministros, 6 ex-auxiliares diretos de Jair Bolsonaro e ex-comandantes do Exército e da Marinha. O material apurado pela comissão foi encaminhado a diversos órgãos, entre os quais a Procuradoria-Geral da República (PGR).
PL das Fake News
Pelo terceiro ano seguido, o Congresso tentou avançar na aprovação de uma proposta que cria regras de combate às fake news. O texto, já aprovado pelo Senado, está travado na Câmara desde 2021.
Neste ano, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a entrar no circuito de articulação. Não adiantou. Em maio, ao avaliar que não havia votos suficientes para aprovar o texto, Lira adiou a análise da proposta no plenário da Casa. De lá para cá, o deputado avaliou possíveis fatiamentos, mas o projeto não caminhou.
Rejeição da bancada evangélica, mobilização da oposição e pressão das big techs — gigantes do mercado da tecnologia que controlam redes sociais — sobre os parlamentares são elencadas como principais fatores para mais um revés do texto. Também são esses fatores que ainda precisam ser vencidos para que o projeto retorne à pauta da Câmara.
Ao longo dos meses, Arthur Lira demonstrou indignação e atribuiu o adiamento ao movimento das big techs. Sob o argumento de que as empresas haviam interferido na Câmara dos Deputados, Lira cobrou responsabilização das empresas.
“Nós demos uma semana para que as big techs fizessem o horror que fizeram com a Câmara Federal, e eu não vi ninguém aqui defender a Câmara Federal. Num país com o mínimo de seriedade, Google, Instagram, TikTok, todos os meios tinham que ser responsabilizados. Como você tem num site de pesquisa um tratamento desonroso com essa Casa?”, disse Lira em 2 de maio.
A suposta campanha abusiva das empresas contra o projeto é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que foi prorrogado, no início de dezembro, por mais 60 dias.
Congresso x STF
Com perfil de centro-direita, em 2023, o Congresso travou batalhas contra o Supremo Tribunal Federal, frente aos avanços de teses consideradas, pelos parlamentares, como progressistas em julgamentos da Corte.
Os movimentos foram, na avaliação de parlamentares, insuflados especialmente pelo Senado e por declarações do presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que defendeu publicamente mudanças na Corte.
O principal ponto de embate foi a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita decisões monocráticas (individuais) no Supremo. Aprovada por 52 votos a 18, em novembro, pelo Senado, a proposta recebeu críticas públicas do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
Barroso afirmou que a Corte não enxergava “razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras do seu funcionamento”. Gilmar elevou o tom e classificou a PEC como uma “ameaça”.
Horas depois, em fala à imprensa, Pacheco rebateu as declarações, em uma tentativa de afastar uma crise institucional entre os Poderes. Na ocasião, disse não admitir que “se queira politizar e gerar um problema institucional em torno de um tema que foi debatido com a maior clareza possível”.
Apesar da fala do presidente do Senado, o desgaste, segundo avaliam parlamentares, existe. Um sinal disso, afirmam, é a paralisação do texto na Câmara, que em outras ocasiões se mostrou mais reativa ao STF.
Nos bastidores, o presidente da Casa, Arthur Lira, trava o encaminhamento em busca de alternativas — uma delas é a votação de um projeto de lei que também trata das regras para decisões monocráticas, mas de forma “suavizada”.
O embate com o Supremo, no entanto, vai além disso. A insatisfação dos parlamentares foi refletida em um movimento da oposição para obstruir o andamento de pautas na Câmara. Também foi reverberada em longos discursos nos plenários das Casas, nas comissões e até mesmo na sabatina de Cristiano Zanin e Flávio Dino a vagas no STF.
Buscando marcar posição, o Senado capitaneia as principais iniciativas que vão de encontro a julgamentos da Corte: definição de mandato para ministros do Supremo; PEC que proíbe a posse e o porte de qualquer substância ilícita, independentemente da quantidade; e propostas para restringir o aborto.
Crise das medidas provisórias
No primeiro semestre, Câmara e Senado travaram um embate em busca de protagonismo na análise de medidas provisórias editadas pelo presidente Lula.
Pela Constituição, as MPs têm de ser analisadas em comissões mistas de deputados e senadores. Durante a pandemia da Covid-19, porém, o rito foi abreviado, com a discussão dos textos diretamente em plenário.
Em 2023, senadores rejeitaram a continuidade da medida. Argumentaram que, no rito abreviado, o Senado passou a ser coadjuvante das discussões, com tempo espremido pelo atraso da Câmara em analisar as propostas.
Com as críticas da Casa, o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco, trabalhou para retomar as comissões mistas com a assinatura de um ato conjunto da Câmara e do Senado. A iniciativa, contudo, não vingou e passou a ser rechaçada por deputados.
Após semanas de impasse, Pacheco resolveu determinar, de ofício, a retomada das comissões. A decisão levou a críticas públicas do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Em um ofício, à época, Lira escreveu esperar que Pacheco “se digne” a convocar uma sessão do Congresso para discutir o tema, o que acabou não acontecendo.
“Este gesto que não vai levar a lugar nenhum. […] Esta é uma decisão unilateral que não ajudará o Brasil”, disse o deputado à imprensa.
Mesmo com os protestos, comissões mistas de MPs acabaram sendo instaladas. No entanto, o governo, que chegou a defender a retomada do formato, passou a adotar uma nova forma de analisar propostas..
Seguindo um processo defendido por Lira, na maior parte dos textos, o governo passou a editar medidas provisórias e encaminhar, ao mesmo tempo, projetos de lei com urgência constitucional. Ocorreu assim, por exemplo, com o PL das apostas esportivas.
Governo em desalinho no Congresso
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entrou em seu terceiro mandato com uma certeza: a composição do novo Congresso Nacional não daria a ele maioria fácil. Ao longo de 2023, o Planalto e seus articuladores políticos — em especial, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e o líder no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) — patinaram.
Somando críticas públicas e de bastidores de parlamentares, o governo sofreu com cobranças sobre acordos desajustados em relação ao pagamento de emendas parlamentares.
O desalinho com o Senado e a Câmara abriu caminho para uma série de derrotas do Planalto, que, mesmo tentando acomodar partidos na Esplanada, assistiu à rejeição de um indicado para a chefe da Defensoria Pública da União (DPU) e ameaças de derrubada de decretos presidenciais.
O primeiro sinal de problema na articulação junto ao Congresso surgiu justamente em um texto essencial para o funcionamento do governo: a medida provisória que reorganizou e criou os ministérios do terceiro mandato de Lula.
A MP foi aprovada, em maio, no limite de perder a validade, com mudanças significativas em relação ao texto original do Planalto. O Ministério dos Povos Indígenas foi desidratado, perdendo do seu escopo a responsabilidade pelos processos de demarcação de terras, por exemplo.
Em maio, o governo também viu avançar uma MP do governo Jair Bolsonaro (PL) que afrouxou regras de preservação da Mata Atlântica. Naquele mês, a Câmara ainda derrotou o governo em outras duas ocasiões:
aprovação de um projeto que estabelece um marco temporal para demarcação de terras indígenas;
aprovação de um projeto que derrubava trechos de dois decretos editados por Lula para mudar regras do marco legal do saneamento básico, aprovado pelo Congresso em 2020.
Um dos apoiadores das propostas, o presidente da Câmara foi às redes sociais criticar os decretos relacionados ao marco do saneamento. Na ocasião, disse que o Congresso não admitiria “retrocessos”.
A insatisfação clara dos congressistas fez o governo recuar na chegada ao Senado do texto que derrubava trechos dos decretos. Para evitar nova derrota e acalmar os ânimos, o Planalto abriu negociações. Em julho, cedeu. Lula revogou os decretos e editou novos textos, atendendo a demandas dos parlamentares.
O risco de ver cair um texto editado pela cúpula do governo se repetiu mais recentemente. Em novembro, após o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, editar portaria que restringe o trabalho aos domingos e feriados no comércio, a Câmara aprovou a urgência para a proposta que derrubava o texto.
Mais uma vez, o governo recuou. A portaria, que passaria a valer imediatamente, foi alterada e ganhou prazo para entrar em vigor: março de 2024. Até lá, Marinho se comprometeu a estudar uma alternativa junto ao setor e aos parlamentares.
A insatisfação dos parlamentares não foi apenas com normas editadas pelo Planalto. Em outubro, o governo assistiu surpreso à rejeição do Senado a um indicado de Lula para o comando da DPU. Igor Roque recebeu somente 35 votos favoráveis ao seu nome — eram precisos, no mínimo, 41 votos. O placar da oposição (38 votos contra Roque) refletiu um ataque especulativo contra o defensor público, que foi apontado como organizador de um evento do órgão sobre aborto legal.
O governo só conseguiu aprovar um novo nome, Leonardo Cardoso de Magalhães, em dezembro. A aprovação, no entanto, só foi possível após Magalhães afastar qualquer envolvimento ideológico no comando do órgão, movimento apoiado por um dos senadores mais influentes e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
O Planalto também foi derrotado com a derrubada, pelo Congresso, de vetos do presidente Lula a propostas legislativas. Em alguns casos, interlocutores do presidente da Câmara, Arthur Lira, atribuíram as quedas ao descumprimento de acordos da articulação política do governo junto a parlamentares.
Neste mês, por exemplo, o Congresso derrubou, em sessão conjunta, o veto integral ao texto que renova, até 2027, a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e a trechos de uma proposta que estabelece a data da promulgação da Constituição como marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Centrão na cúpula do governo
O presidente Lula começou o ano com 37 ministérios. Ele vai se despedir de 2023, porém, com 38 — segundo maior número de pastas desde a redemocratização.
O 38º ministério — Micro e Pequenas Empresas — foi criado para acomodar partidos do chamado Centrão na cúpula do governo federal. Contestada por parte da base ideológica de Lula, a iniciativa foi adotada em um esforço da articulação política do Planalto em elevar o número de votos favoráveis a pautas do governo no Congresso
Com uma série de tropeços e votações classificadas como derrotas, neste ano, Lula cedeu três vezes ao grupo de parlamentares do Centrão. A nova Esplanada acirrou as cobranças de partidos de esquerda por mais mulheres na cúpula do governo — o recorde histórico registrado pelo petista em janeiro (11 mulheres) foi reduzido a 9.
A primeira mudança ocorreu em julho, quando, tentando azeitar a relação com o União Brasil na Câmara, o presidente demitiu Daniela Carneiro e deu a Celso Sabino o comando do Ministério do Turismo.
À época, em uma tentativa de articular a continuidade de Daniela no cargo, o marido da ex-ministra, o prefeito de Belford Roxo, Waguinho (Republicanos), afirmou que eles pagaram “um preço muito caro” por terem apoiado Lula na campanha à Presidência em 2022.
Meses depois, em setembro, Lula “rifou” a então ministra do Esporte, Ana Moser, e remanejou Márcio França para o comando da recém-criada pasta das Micro e Pequenas Empresas.
A movimentação deu ao PP, de Arthur Lira, o comando do Ministério do Esporte, com o deputado André Fufuca (MA) à frente. Também contemplou o Republicanos, expoente da bancada evangélica, com Silvio Costa Filho (PE) no comando do Ministério dos Portos e Aeroportos.
Em outubro, o PP foi mais uma vez beneficiado. Lula demitiu a então presidente da Caixa, Rita Serrano, e deu o comando do banco estatal a Carlos Antônio Vieira Fernandes, indicado por Lira.

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